O imimigo sob o mesmo teto

Daniel Castro Branco/Filial O Dia

Nuno Vasconcellos

Quem acompanhou o noticiário da semana passada pode imaginar que a raiz de todos os problemas que travam a realização dos projetos de interesse do governo está fincada no interno do Congresso Pátrio. Mais precisamente no gabinete do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Num jogo já publicado, e que parece se tornar mais pesado a cada dia, Lira é indicado porquê o grande articulador do esquemade escambo que tomou conta da política do Brasil. Por meio dele, os parlamentares condicionam a aprovação de toda e qualquer material de interesse do Executivo à liberação de verbas e de aproximação a cargos públicos.

Zero sai de perdão em Brasília. Em troca dos cargos e das verbas, parlamentares aderem ao governo com a maior facilidade — ainda que seus eleitores lhes tenham oferecido votos na esperança de que fizessem oposição. E se, no pretérito, os políticos penhoravam seu esteio à espera do cumprimento de uma promessa no porvir, hoje exigem pagamento antecipado. O escambo político antigamente se chamava “toma lá, dá cá”. Agora, passou a se invocar “dá cá, toma lá”.

A sensação que se tem é a de que o governo, que oferece vantagens na tentativa de invadir uma maioria parlamentar que não conseguiu erigir nas urnas, exagerou na ração e acabou se tornando refém da estratégia de facilitar a vida de quem estiver de seu lado. Ninguém parece se importar com o que está sendo posto em votação. Se os recursos prometidos são liberados e depositados, qualquer material é aprovada com facilidade. Do contrário, a turma prenúncio com uma rebelião que negará ao governo os votos que ele necessita para legalizar os programas de seu interesse. Simples assim.

INGRATIDÃO — Para moderar o que parecia ser o início de uma rebelião parlamentar, o Ministério da Saúde (que, desde 2019, concentra 50% das emendas parlamentares) liberou a toque de caixa o pagamento de R$ 4,8 bilhões que estavam retidos, à espera de folga no orçamento. Pouco mais da metade dos recursos, R$ 2,5 bilhões, caiu na conta dos beneficiados na quarta-feira passada.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, evidente, não está satisfeito com a situação. Tanto mal, na sexta-feira passada, convocou os ministros responsáveis pela pronunciação política e os líderes do governo no Congresso para dar um puxão de orelhas generalizado. Sobrou até para o Partido dos Trabalhadores, que desperta a mágoa do presidente por não agir com firmeza para proteger os interesses do governo, mormente na Câmara.

A questão da desarticulação política do governo é evidente e, no final das contas, parece causada pela chantagem de gente que foi eleita para fazer oposição, mas que, agora, pulou para dentro do embarcação do governo petista. Quem reparar recta, porém, notará que não é muito assim. No interno da própria máquina pública existem companheiros que também devem gratidão a Lula, mas parecem jogar contra projetos que, se andassem depressa, ajudariam o Planalto a estimular a economia e, em consequência, melhorar sua popularidade cadente.

Veja, por exemplo, o que vem acontecendo na superfície ambiental. Não é sigilo que os técnicos e funcionários do Instituto Brasiliano do Meio Envolvente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) receberam a vitória de Lula sobre Jair Bolsonaro nas eleições de 2022 porquê aquilo representasse o término de quatro anos de calvário. E comemoram o resultado das urnas porquê se estivessem recuperando a distinção profissional perdida ao longo do governo anterior. Pois é…

Imaginava-se que, sob uma gestão que se diz sensível à pretexto ambiental e sendo chefiados pela ministra Marina Silva, que encarna a imagem viva da pretexto que eles defendem, os servidores públicos responsáveis pela realização das políticas de suporte ao desenvolvimento sustentável fossem os primeiros ase esforçar para que estegoverno dê evidente. Só que não!

Alegando uma suposta defasagem salarial e querendo mudar as condições de trabalho com as quais concordaram quando prestaram os concursos públicos que lhes garantiram seus empregos estáveis, os funcionários dos órgãos ambientais resolveram em janeiro deste ano suspender o trabalho de campo. Oficialmente, eles não estão em greve. Comparecem normalmente ao sítio trabalho e batem o ponto. Mas se recusam a ir a campo para fazer o serviço que são pagos com verba do povo para realizar. Deixaram de fazer vistorias, de vistoriar instalações e derealizar audiências públicas — que são etapas indispensáveis para a emissão das licenças obrigatórias para projetos com impactos ambientais.

De pacto com uma reportagem publicada na semana passada pelo portal Poder360, com base em dados fornecidos pelos próprios sindicalistas que lideram essa operação, que pode ser chamada de “me engana que eu sabor”, somente duas licenças ambientais foram emitidas oriente ano. Neste momento estão parados, ainda conforme informações passadas pelos próprios sindicalistas, a liberação de uma série de laudos.

Eles dizem saudação a quatro novas termelétricas a gás, três parques de geração de força eólica, três gasodutos, dez linhas de transmissão indispensáveis para evitar apagões e promover a segurança energética no país e dez pedidos relacionados à pesquisa, prospecção ou exploração de petróleo. Nenhuma decisão em relação a esses projetos pode ser tomada enquanto o IBAMA não exprimir a licença que autorize seu funcionamento. A paralisação pretexto o delonga de bilhões e bilhões em novos investimentos e o protraimento da geração de milhares e milhares de empregos em todas as regiões do país.

FRANJA NORTE — A atitude dos funcionários do IBAMA e do ICMBio poderia ser considerada somente uma mostra de oportunismo caso não beirasse à chantagem e à fraqueza. Para estrear, eles atribuem a “recusa” do governo em atender seus pedidos a uma suposta insensibilidade do ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicas, comandado por Ester Dweck. A pasta já apresentou duas propostas de reajustes aos funcionários do IBAMA. Ambas foram recusadas

A ministra do Meio Envolvente, por sua vez, nunca abriu a boca para criticar o comportamento de seus subordinados nem para atribuir a eles a responsabilidade pelo desempenho medíocre do governo nas questões ambientais, mormente no que se refere à preservação da Amazônia e do Ocluso. Em seu único observação público sobre o ponto, durante uma visitante ao Rio, Marina Silva afirmou que os funcionários do IBAMA têm “consciência ambiental”. Só se esqueceu de explicar porquê porquê essa consciência se manifesta.

À boca pequena, circula por Brasília a informação de que a decisão dos companheiros de cruzar os braços e receber os salários sem trabalhar, porquê tem sucedido desde o início do ano, é considerada pela ministra, no mínimo, porquê uma medida profíquo. Pelo que se comenta, ela vê a paralisação dos servidores do IBAMA uma forma de se esquivar da cobrança por sua posição em relação à exploração de petróleo na chamada Franja Setentrião, que vai da costa do Rio Grande do Setentrião à do Amapá, passando pela foz do rio Amazonas.

Enquanto a turma estiver fazendo corpo tenro e recebendo os contracheques sem satisfazer com suas obrigações e sem ser cobrada por isso, a ministra estará livre das críticas dos que defendem a exploração racional dos recursos da Amazônia. Os projetos que precisam andejar para movimentar a economia podem esperar…

O PRIMO DO HOMEM — Com apoiadores de primeira hora porquê o pessoal do IBAMA, o governo Lula não precisa de inimigos. Os que ele tem dentro de vivenda já são suficientes para ocasionar embaraços ao governo. Além dos servidores do IBAMA, existe outro foco de potenciais aliados que frequentemente criam problemas políticos. Um deles gravita em torno do Instituto Pátrio de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e de suas conexões com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terreno (MST).

Neste mês, porquê sempre fazem em abril, os “ativistas” do MST, que dizem lutar pela reforma agrária, mas que, na verdade, parecem mais interessados em vender bonés para a esquerda festiva exibirnos passeios matinais pelo calçadão de Ipanema, promoveram um monte de invasões. E, porquê sempre fazem, se apoiaram em suas ideias políticas que já eram velhas no século pretérito para gerar embaraços para o governo. Em um caso peculiar, eles passaram a hostilizar o superintendente do INCRA em Alagoas. Em protesto contra ele, chegaram até a invadir a Superintendência do órgão em Maceió. Fizeram tanta pressão que acabaram tornando impossível a permanência do funcionário no posto.

O nome do superintendente que entrou na mira do MST era Wilson Cesar de Lira Santos, um bacharel em recta que estava no incumbência desde 2017. Ou seja, chegou láno governo Michel Temer, permaneceu na cadeira durante os quatro anos de Bolsonaro e sobreviveu ao primeiro ano do novo governo Lula. Até ser exonerado, dias detrás, pelo ministro da Reforma Agrária, Paulo Teixeira.

MESMO BARRO — Substituir funcionários públicos em cargos de chefia é trajo corriqueiro na gestão pública e a troca não teria qualquer repercussão se não fosse um pormenor importante. Wilson chegou aonde chegou e sobreviveu tanto tempo no posto devido à força de seu paraninfo: ninguém menos do que seu primo Arthur Lira, o presidente da Câmara.

Isso significa o seguinte: Teixeira poderia mexer em 26 das 27 superintendências que o INCRA tem pelo país afora sem que isso significasse o menor problema para o governo. A única que a prudência recomendava deixar porquê estava era justamente a de Alagoas. O estado, com todo saudação, tem muito pouco, quase zero, a contribuir para o processo de Reforma Agrária e zero do que for feito ali alterará as estatísticas sobre a questão fundiária no país. Por uma razão muito simples: não há terras abundantes para se repartir. Com uma extensão de pouco mais de 27,8 milénio quilômetros quadrados, o estado representa menos de meio por cento do território vernáculo.

Zero abalaria o prestígio de Teixeira se ele tivesse deixado o primo Wilson quieto em seu quina. O ministro, no entanto, preferiu dar ouvidos aos companheiros do MST, que promoveram a confusão que promoveram só para gerar constrangimento e reclinar Lira contra a parede em pleno ano eleitoral. Ao fazer o jogo do MST, no entanto, Teixeira cutucou Lira em seu próprio território e deve ter levado um pito fenomenal de Lula.

Tanto mal, na sexta-feira, no lançamento do Programa Terreno da gente, talhado a concordar a lavoura familiar, o ministro cobriu o presidente de elogios. Falou muito do encarregado até para elogiar um programa de quem nunca ouviu falar antes, talhado a concordar a lavoura em terras quilombolas. Só que o estrago já estava feito e a reação de Lira já estava produzindo desconforto.

Lira não é contra nem em prol do governo. Gente porquê ele só têm um lado na política: o seu próprio. Unicamente uma boa ração de ingenuidade, portanto, pode explicar a satisfação que alguns integrantes do atual governo demonstraram quando ele, ainda antes da posse de Lula, deixou de agir porquê um bolsonarista raiz e passou a se comportar porquê se fosse petista desde criancinha. O que parecia ser uma adesão a Lula não passou, na verdade, de uma mudança de lado destinada a deixar tudo exatamente porquê estava.

Lira é assim mesmo. Sua força política depende da proximidade com o governo — qualquer que seja o governo. Mas, para exercê-la, ele precisa mostrar o tempo inteiro que o governo é que depende dele—e não o contrário. Leste é o ponto que interessa: ao jogar com habilidade o jogo que domina a atual política brasileira — e que, é bom repetir, hoje parece ter porquê principal propriedade a luta não por ideias, mas por verbas —, Lira se torna útil aos deputados na hora de lhes prometer verba público. E, ao mesmo tempo, se tona útil ao governo na hora de prometer votos no Congresso.

O problema é que políticos porquê ele só conseguem entregar aquilo que prometem caso não sejam desafiados em seu poder. Para eles, ter seu poder respondido em seu próprio território, porquê aconteceu no caso da dispensa de seu primo, é uma ofensa que põe em xeque a sua força. Tanto mal, depois da destituição, ele acusou o golpe.

Sem poder criticar o presidente Lula, com quem negociou os acordos que previam emendas em troca de votos, ele passou a criticar francamente o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, a quem chamou de “incompetente” e de “desafeto pessoal”. No final das contas, a consequência mais provável dessa confusão que poderia ter sido evitada se Paulo Teixeira não quisesse fazer perdão para os “aliados” do MST e se envolvesse numa luta regional desnecessária, é que o governo terá que tirar mais verba do cofre, e depressa, se quiser ver os temas de seu interesse aprovados no Congresso.

ILUSÃO PASSAGEIRA — Que relação pode subsistir entre os problemas mencionados ao longo deste texto? O que a operação “me engana que eu sabor” levada adiante pelos funcionários do IBAMA tem a ver com a inabilidade que elevou as picuinhas regionais do INCRA de Alagoas à exigência de problema vernáculo? O que o gosto desproporcionado dos parlamentares da chamada “base aliada” por emendas constitucionais tem a ver com tudo isso?

No fundo, no fundo, todo esse debate diz saudação à falta de pronunciação política e da definição clara do rumo que o governo pretende seguir. Ao repartir as vagas no ministério entre políticos que têm agendas próprias e não necessariamente convergentes, o governo acabou estimulando a geração de um envolvente onde cada um parece agir por sua própria conta. Cada um fala sua própria língua, se guia por seu próprio interesse e, em meio a tudo isso, ninguém parece se entender.

No final das contas, o receio que se tem é o de que aquela que poderia ser a principal marca do terceiro procuração de Lula —ou seja, a recuperação da economia, a retomada do desenvolvimento e a volta do pleno serviço — pode permanecer pelo meio do caminho. Ela corre o risco de não suceder devido a uma sucessão de erros que o próprio governo vem cometendo justamente naquele que parecia ser seu ponto mais poderoso: a grande habilidade e capacidade de pronunciação política do presidente. Se esse quadro não mudar e todos não passarem a andejar na mesma direção, problemas porquê esse se tornarão ainda mais frequentes. E as promessas de um novo país feitas por Lula desde a campanha não terão pretérito, porquê dizia Chico Buarque de Hollanda, de uma “ilusão passageira, que a brisa primeira levou”.

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