Entenda como a paz pode ser plural

Identificamos, fazemos e sentimos a sossego por vezes em nossas relações, de formas muito peculiares (Imagem: insta_photos | Shutterstock)

Entenda porquê a sossego pode ser plural

Conheci o professor Wolfgang Dietrich em 2012, quando iniciei meu mestrado em Estudos de Tranquilidade pela cátedra de sossego da UNESCO, na Áustria. Na idade, ele era o detentor dessa cadeira e uma referência mundial. O programa, que reunia alunos de diversas nacionalidades, acontecia em um cenário campestre nos Alpes austríacos.

Para uma brasileira, estar diante da magnitude das montanhas nevadas foi, em si, uma experiência de sossego memorável. Lembro-me do primeiro dia em que o professor nos recebeu. Zero de formalidades acadêmicas. Ele usava traje casual e, nos braços, levava seu violão. De repente, começou a tocar e trovar uma bela música de Deva Premal & Miten, dos quais refrão dizia: “todos são bem-vindos cá”. 

Parecia que eu estava entrando em uma dimensão paralela. Na primeira lição, apresentou conteúdos profundos com sua metodologia dialógica, que nos convidava a ser participantes ativos nos processos reflexivos. Conhecemos sua teoria chamada “Muitas Pazes”, a mais atual sobre o tema.

Segundo ela, a sossego é plural, relacional e multifacetada, pois, além de refletir a história de cada grupo social e sua cultura, ela se realiza a
cada relação no momento presente

. Hoje é facilitador da pós-graduação EaD da Tranquilidade & Mente Brasil e nos faz pensar sobre o tópico de um jeito inovador.

Aquém, confira entrevista com o professor Wolfgang Dietrich!

Quando surgiram os Estudos de Tranquilidade?

Eles surgiram posteriormente a Segunda Guerra Mundial porquê uma disciplina acadêmica. Mas, no rescaldo de Hiroshima e Auschwitz, a urgência de uma compreensão mais alargada das sociedades humanas tornou-se tão possante que algumas universidades fundaram os primeiros institutos de Estudos de Tranquilidade. Gradualmente, o mundo inteiro seguiu o exemplo. O trajo é que esse campo não pode basear-se nos métodos de uma única disciplina tradicional. Por se tratar de um tema muito multíplice, seu estudo requer um esforço transdisciplinar.

Qual a relevância desse campo nos dias atuais?

Os Estudos de Tranquilidade cada vez mais se mostram importantes na atualidade, pois nos dão o escora necessário para termos relações mais construtivas conosco e com o mundo, e isso é urgente.

Por que, para ter sossego, não basta a pouquidade de guerra?

Muitas pessoas acreditam que sossego é o oposto de guerra ou violência. Imagine porquê seria empobrecedor se ela fosse somente isso? Se quisermos produzir um mundo realmente pacífico, devemos iniciar com uma compreensão adequada sobre a origem da sossego, não somente porquê a
pouquidade de um tanto

. E isso requer pesquisa sistemática, isto é, ciência. E ela só pode ser feita por seres humanos devidamente treinados. Agentes de sossego muito preparados para atuar nesse terreno multíplice.

O que são as “muitas pazes”? 

A vocábulo sossego só faz sentido se há um ser humano que a percebe, a sente e a experimenta. Entretanto, gramáticas europeias (espanhol e português) cunharam uma noção metafísica de uma sossego que deriva de um único ser instituidor transcendental – metafísica cá refere-se a toda imaginação, presunção ou teoria que não pode ser encontrada fisicamente na natureza.

Porém, há muitos indícios concretos de que a linguagem é uma instrumento de subjugação. A abordagem das “muitas pazes” afasta-se desse jogo e projeto de poder, pois define a
sossego dentro de seu contexto

histórico, cultural, relacional e dinâmico nos sistemas sociais. Ou seja, democratiza a noção de sossego e a entrega nas mãos de pessoas reais.

Finalmente, qual é a desculpa de tantos conflitos e polaridades?

Isso tem relação com a forma porquê falamos e, portanto, porquê pensamos. Sempre que as pessoas se sentem detentoras de uma “verdade” específica, tendem a permanecer teimosas, defendendo essa sua “verdade” e, no final, tornam-se violentas contra aqueles que não compartilham dessa visão, seja ela religiosa, ideológica ou cultural.

Já as “verdades” científicas trazem uma compreensão muito dissemelhante, patente?

Elas são descobertas preliminares, discutíveis, as quais são válidas até que alguém as prove ao contrário com mais investigações. Uma única verdade fixa e definitiva, logo, não pode viver. Porém, na linguagem convencional é verosímil facilmente expor: “Eu tenho a verdade, estou patente”. E não há um alerta semântico procedente nas línguas europeias coloniais que nos corrija.

Porquê podemos nos tornar sossego?

Todos nós somos capazes de sentir quando a experiência de sossego está “no ar”. Isso é muito mais do que a mera pouquidade de
violência

ou conflito. Mas o que é sossego em sua origem? Eu não saberia lhe dar uma resposta única e definitiva, mas eu posso senti-la.

Portanto, identificamos, fazemos e sentimos a sossego por vezes em nossas relações, em contextos e situações concretas. Isso se dá de formas muito peculiares, pessoais e relacionais que tornam cada encontro e experiência únicos no cá e agora. Todavia, não há garantia de que o modo de “pazear” de ontem vai funcionar novamente hoje. Portanto, somos convidados a cada momento a produzir novas maneiras de “pazear” nas relações.

Se a sossego não exclui o conflito, qual é o lugar dele?

Na vida, estão contidos o conflito e a sossego. Portanto, nesse sentido, sossego é conflito e conflito é sossego. Um ponto importante de refletir é que, mesmo que você esteja sozinho, pode vivenciar um conflito consigo cada vez que tiver de tomar uma decisão. Conflitos estão presentes o tempo todo em nossas vidas. O melhor a fazer é abraçá-los porquê um belo indicador de estar vivo. Eles não são o problema, mas, sim, a forma porquê lidamos com eles.

Pode dar algumas dicas?

Transformar conflitos é dissemelhante de resolvê-los. Resolver pode levar ao ato violento, pois pressupõe colocar término em uma situação repugnante com o intuito de expelir um oponente ou cancelar uma situação. Geralmente, esse tipo de solução não é o término da história, mas o início do
próximo capítulo

na lesma da loucura conflituosa, pois um incidente gera outro. Ao passo que transformar conflitos nos faz conscientes dos desconfortos, mas também capazes de atuar com calma em suas origens.

Por Cerys Tramontini – revista Vida Simples

É idealizadora, cofundadora e diretora do Programa de Pós-Graduação em Transformação de Conflitos e Estudos de Tranquilidade com ênfase no Estabilidade Emocional pela Tranquilidade & Mente Brasil.

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