
a polarização que leva à crueldade
Sobrevoo em Canoas (RS)
A tragédia climática que se abate sobre o Sul do país
virou uma discussão ideológica interminável nas redes. Sobrou até para a cantora Madonna
, criticada por não ter falado das enchentes em terras gaúchas e catarinenses durante seu show na praia de Copacabana, realizado no sábado. Mas o que chamou a atenção mesmo foi o conjunto de vídeos e textos postados nas redes sociais que tentavam encontrar uma esdrúxula relação entre o eleitorado do ex-presidente Jair Bolsonaro
e a catástrofe.
Vários internautas tentaram difundir a seguinte tese: os bolsonaristas votaram no Sul em governadores neoliberais, que desejam reduzir o tamanho do Estado e, por isso, o resgate às vítimas foi falho ou deixou a desejar. A evidência levantada por esses indivíduos seria a votação de Jair Bolsonaro no estado gaúcho, que chegou a 56%.
Esse raciocínio tortuoso, no entanto, cai por terreno quando lembramos que o candidato do bolsonarismo no Rio Grande do Sul não foi o atual governador Eduardo Leite
– e sim o ex-ministro Onyx Lorenzoni (no placar final, Leite teve tapume de 58% dos votos, contra 42% de Lorenzoni).
Pode-se até proferir que essa tragédia poderia ter sido mitigada com o uso de determinadas ações preventivas. Mas isso zero tem a ver com o tamanho do Estado em si ou da orientação política dos sulistas.
Entre o festival de horrores que tomou conta das redes sociais, um vídeo labareda atenção em pessoal: uma desmiolada ri da catástrofe, mostrando um rebanho arrastado pela chuva. E diz estar se divertindo com os “bolsominions sendo levados pela enchente no Rio Grande do Sul”. Uma vez que se sabe, os esquerdistas chamam o grupo apoiador do ex-presidente de “manada”.
Outra postagem mostra um senhor afirmando que os gaúchos tiveram o que mereceram, pois queriam separar o Rio Grande do Sul do resto do país e, ainda por cima, apoiaram Bolsonaro. Por termo, uma enormidade de mensagens dizia que as vítimas eram brancas e bolsonaristas – e que, unicamente por isso, a repercussão sobre a tragédia ganhou um perímetro tão grande.
Impressionante uma vez que alguém usa um momento tão difícil e de tanto sofrimento para fazer críticas ideológicas ou tripudiar em cima de cidadãos que estão desabrigados. E que devem enfrentar, depois das cheias, um insensível intenso, com a temperatura chegando a 10 graus centígrados nos próximos dias.
Os números da catástrofe são superlativos: 840.000 pessoas afetadas pelas enchentes, das quais 83 morreram, 111 foram contabilizados uma vez que desaparecidos, 18.000 estão desabrigadas e 116.000 desalojadas. Porto Prazenteiro
vive uma situação dramática, com 70% da cidade sem aprovisionamento de chuva. São no Rio Grande do Sul 366 municípios em estado de calamidade pública, segundo o Governo Federalista.
Uma vez que é que, diante de tanta desgraça, alguém consegue ressumar tamanha crueldade?