Maconha no Brasil foi liberada, Lá-Laiá-Lá!

Daniel Castro Branco/Escritório O Dia

Nuno Vasconcellos

O título deste item remete a uma paródia que ficou conhecida nos recreios das escolas brasileiras nos anos 1970 — e que era cantada pela meninada mesmo durante os anos mais pesados dos governos militares. A música original se chamava Eu Te Senhor Meu Brasil. Ela fez sucesso na versão do grupo Os Incríveis e foi uma peça importante na propaganda do regime dominador. Na paródia, os elogios às belezas do país que estavam nos versos originais foram substituídos pela apologia à droga. O primeiro deles, que dizia, “As praias do Brasil, ensolaradas, la-laiá-lá” foi trocado por “maconha no Brasil foi liberada, lá-laiá-lá”.

A paródia prosseguia com citações que não faziam sentido nem no pretérito nem no presente — mas foi impossível não lembrar dela depois da sessão do Supremo Tribunal Federalista (STF) da terça-feira passada. Os ministros puseram término a um caso que começaram a julgar em 2011. Entre paralisações, pedidos de vista e votos surpreendentes a Namoro, por seis votos a cinco, descriminalizou a posse de até 40 gramas de maconha. Pela decisão, a partir de agora deixa de ser violação comprar, vigiar, transportar ou portar essa quantidade de maconha para uso pessoal.

Daqui por diante, quem for pego com qualquer quantidade de maconha até esse limite será considerado usuário. Supra daí, deverá ser enquadrado uma vez que traficante. O que vai sobrevir é um mistério. Ao mesmo tempo em que permite ao usuário andejar para lá e para cá com seus 40 gramas da relva no bolso, a medida continua proibindo o negócio e não desautoriza a ação da polícia contra os traficantes — mesmo porque, se a compra passou a ser permitida, a venda do estupefaciente continua sendo violação.

O mesmo tratamento será oferecido para quem mantiver uma plantação de maconha dentro de moradia. Quem cultivar até seis pés da vegetal fêmea — que contém as substâncias que “dão barato” — poderá expor que elas estão ali para uso próprio. Supra disso, será enquadrado uma vez que traficante.

“VAPOR” E “AVIÃO” —
Quem for flagrado com 39,9 gramas de maconha poderá ser considerado traficante desde que as “circunstâncias” da prisão indiquem que aquele tipo, além de fazer uso, também comercializa a vegetal. O que se pode prever é que qualquer interrogatório que envolva tráfico de maconha será objeto de discussões intermináveis e muito provavelmente abrirá espaço para querelas que sobrecarregarão ainda mais um sistema que, por se prender a minúcias sem sentido uma vez que essa, acaba não fazendo aquilo que a sociedade espera que ele faça.

Outro ponto que entrou em foco e deu o que falar depois do proclamação da decisão foi a limitação que a descriminalização da maconha, obviamente, impõe ao trabalho da polícia. Ninguém deve se espantar se, possivelmente, nascer qualquer desses gênios moderninhos do recta “garantista” para exigir que, além das câmaras corporais que terão que levar presas a seus uniformes durante as operações, os policiais também sejam obrigados a carregar uma balança de precisão para medir no ato da abordagem aos suspeitos se a maconha apreendida ultrapassa ou não os limites definidos pelo STF.

É provável que o tratamento oferecido pela Justiça ao pequeno traficante, que muita gente já considerava frouxo mesmo antes dessa decisão, se torne ainda mais maleável. E que as minúcias e as chicanas jurídicas que já acontecem a torto e a recta nos processos criminais tornem praticamente impossível punir as pessoas que estão na porta de ingresso do sistema criminoso que se inicia pelo tráfico e evolui para outras drogas.

Ninguém chega ao topo de qualquer organização criminosa, dessas que são responsáveis pela comercialização de toneladas de substâncias muito mais pesadas e nocivas do que a maconha sem estrear por ela. E ninguém se torna um chefão do tráfico sem ter sido, no início da “curso” criminosa, uma “mula”, um “avião” ou um “vapor”. Em tempo: “avião” ou “mula” são aqueles sujeitos que transportam pequenas quantidades de drogas de um ponto a outro e têm o contato direto com o usuário. Já o “vapor” é geralmente o menor de idade encarregado de vigiar a boca de drogas e, depois de dar o rebate, “evolar”, ou seja, desvanecer, ao primeiro sinal de presença da polícia.

TRATAMENTO CAMARADA —
Tão logo a decisão foi anunciada, a discussão tomou o rumo esperado e, uma vez que qualquer tema que se debate no Brasil, acabou descambando para a habitual troca de acusações entre os apoiadores e os opositores do governo. A esquerda “progressista” aplaudiu a medida por considerá-la uma proteção dos usuários contra a ação policial que, de tratado com essa turma, tem uma vez que único objetivo ampliar a punição sistemática a pretos e pobres nas comunidades mais vulneráveis. A direita, por sua vez, não tardou em identificar na decisão mais uma prova de que a Justiça brasileira, na opinião de seus adeptos mais renitentes, trabalha mais em prol do que contra os traficantes de drogas.

Tanto um lado uma vez que o outro estão errados em enfrentar esse debate com argumentos superficiais que, ao término e ao cabo, servem exclusivamente para manter a discussão na superfície — quando o perceptível seria tratar do tópico com serenidade e profundidade. Uma medida polêmica uma vez que essa vale tanto pela decisão tomada — e que deve ser acatada até segunda ordem — quanto por sua repercussão junto à sociedade. E a repercussão, nesse caso, foi a pior verosímil.

Na avaliação da opinião pública, a Justiça parece mesmo empenhada em desapoquentar o peso da lei sobre os pequenos traficantes. Tanto isso é verdade que, tão logo a sentença foi proferida, o Parecer Pátrio de Justiça (CNJ) convocou um mutirão que, posteriormente a publicação do acórdão, avaliará a situação dos 6 343 processos que envolvem porte de maconha e que estavam parados em todo o país à espera do pronunciamento do STF.

Outrossim, será feito um levantamento de todos os casos já julgados que podem ter a sentença alterada em função da decisão de terça-feira passada. “A regra básica, em material de recta penal, é que a lei não retroage se ela exacerbar a situação de quem é culpado ou esteja recluso. Para beneficiar, é verosímil”, disse o presidente do STF, que é também presidente do CNJ, ministro Luís Roberto Barroso.

Outro ponto lembrado por Barroso depois da decisão é o de que a medida terá um impacto positivo sobre o sistema carcerário, reduzindo custos e, também, a superlotação nas cadeias. De tratado com um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), das 852 milénio pessoas recolhidas ao sistema prisional brasiliano, conforme dados da Secretaria Pátrio de Políticas Penais, murado de 19 milénio cumprem penas por terem sido presas com até 100 gramas de maconha.

Esse grupo custa ao sistema carcerário de todo o país murado de R$ 592 milhões por ano. Dele fazem segmento os quase 9 milénio presidiários condenados depois de terem sido flagrados com até 25 gramas de maconha. Esse segundo grupo custa ao sistema prisional um tanto em torno de R$ 263 milhões por ano. A pergunta que se impõe é: será que esse quantia é muito empregado mantendo na cárcere pessoas que transgrediram a lei? Ou será que ele deveria ser talhado a substanciar a segurança e o sistema de saúde pública para proteger a sociedade dos criminosos que serão postos na rua e que, muito provavelmente, voltarão a levar a mesma vida que os levaram para a cárcere?

CREDIBILIDADE DO SISTEMA —
É preciso sempre lembrar que as pessoas que estão presas por portar pequenas quantidades de drogas não estão na cárcere exclusivamente porque um policial dominador, a seu próprio pensamento, resolveu colocá-las detrás das grades. Para estar numa penitenciária, elas foram presas em flagrante ou, portanto, depois de uma investigação que recursos materiais e humanos pagos pelo tributário.

Tiveram recta, no ato da prisão, a audiência de custódia em que puderam se explicar a um juiz. Quem não tinha quantia para contratar um jurisconsulto, teve recta a um Padroeiro Público nomeado pelo Estado. Foram, portanto, denunciadas pelo Ministério Público, que aceitou os argumentos da mando policial e encaminhou o processo à Justiça. A ação foi acolhida por um magistrado que, depois de seguir os trâmites previstos em lei, considerou os réus culpados e os condenou à pena de prisão.

Ao longo de todo processo, tiveram vasto recta de resguardo — enquanto os policiais que os prenderam se viram na obrigação de justificar uma, duas, dez vezes que tinham seguido o procedimento legítimo e estavam certos ao agir contra aquele tipo.

Uma das características da lei brasileira, que trata o tráfico de drogas uma vez que um violação hediondo, é que a pessoa só será presa por esse motivo se houver comprovação física de que a droga existe. Fotografias, testemunhos e até recibos da operação não são, nesses casos, provas suficientes para o prosseguimento do processo se a droga não estiver em poder do traficante na hora da prisão. Depois, ela deverá ser mantida em depósitos até o trânsito em julgado do processo.

Ou seja, embora os sinais ostensivos da presença do tráfico de drogas estejam por toda segmento, é muito difícil ser sentenciado por esse violação no Brasil. Sendo assim, expor que essas 19 milénio pessoas que cumprem penas por portar “pequenas quantidades” de drogas estão privadas da liberdade em razão de qualquer tipo de arbitrariedade de um sistema injusto é pisotear em toda a credibilidade da polícia e da Justiça do Brasil.

DISCUSSÕES ACALORADAS —
A medida do STF facilita a vida do usuário, mas não promove uma liberação tão universal quanto parece. Ela estabelece que, independente da quantidade da droga em poder da pessoa investigada, a mando policial deverá observar outros aspectos antes de considerá-la exclusivamente uma usuária. Será preciso averiguar, antes de liberar o culpado, a forma uma vez que a relva está guardada, a variedade da substância apreendida, o registro de operações comerciais relacionadas à droga, contatos de usuários ou traficantes no telefone celular e, ainda, as circunstâncias da inquietação.

Ou seja, ainda há muita coisa para se discutir em torno dessa questão antes de imaginar que ninguém terá problemas caso seja flagrado de posse de uma pequena quantidade da droga. Tudo permanecerá mais ou menos uma vez que é atualmente e é isso que desperta a curiosidade sobre a motivação do STF ao levar adiante esse julgamento nesse momento mormente frágil do relacionamento entre os poderes.

As circunstâncias que cercam a desenlace do julgamento passam a sensação de que, mais do que fechar o tópico, o STF pretendia declarar seu poder neste momento em que o Congresso não parece disposto a ceder mais espaço para o Judiciário. Quando o projeto voltou a andejar no ano pretérito e começou a permanecer delineada a tendência de que os ministros tendiam a ratificar a descriminalização, o Congresso se apressou e acelerou a tramitação da Proposta de Emenda Constitucional 45, de 2023.

Conhecida uma vez que PEC das Drogas, a material, de autoria do presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG), estabelece critérios mais duros para qualificar o tráfico de drogas e, em suma, considera violação o que o STF entendeu que não é. O projeto deverá ser levado à votação nos próximos dias e tudo indica que será revalidado. Isso significa que a decisão da Suprema Namoro não encerra a discussão e que a aprovação da PEC 45 pelo Parlamento, quando sobrevir, servirá exclusivamente para jogar mais lenha na fogueira e prolongar um debate que, com todo reverência, é importante demais para continuar a ser travado fora de limites técnicos e científicos. E não pode continuar a ser levado adiante, uma vez que vem acontecendo, ao sabor de paixões políticas ou da disputa entre poderes.

PORTA DE ENTRADA —
“A Suprema Namoro não tem que se meter em tudo. Ela precisa pegar as coisas mais sérias, sobretudo o que diz reverência à Constituição, e virar senhora da situação. Mas não pode pegar qualquer coisa e permanecer discutindo, porque aí começa a fabricar uma rivalidade que não é boa, a rivalidade entre quem manda: o Congresso ou a Suprema Namoro?”, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em entrevista ao Portal UOL, ao comentar a decisão os ministros sobre a descriminalização da maconha.

O presidente está perceptível, mas é preciso considerar, também, o outro lado da moeda. Da mesma forma que muita gente considera estranho o roupa de o STF ter começado a se mexer justamente no momento em que o Congresso avalia uma PEC sobre o tema, o roupa é que os parlamentares também só demonstraram preocupação com o tópico depois que o julgamento se pôs a andejar na Namoro. Teria sido melhor que uma negociação séria e profunda entre os três poderes tivesse tratado da questão e gerado resultados muito mais positivos do que as decisões desencontradas e açodadas que vêm sendo tomadas em torno de um tema tão sensível.

A sociedade, simples, não recebeu muito a decisão dos ministros — sobretudo neste momento em que o tráfico de drogas é o lado mais evidente da vaga de violência que transformou a segurança pública na preocupação número 1 dos cidadãos. A questão é séria demais para se limitar exclusivamente em definir uma determinada quantidade de gramas de maconha, definida sem qualquer critério que não fosse a vontade dos ministros. O limite de 40 gramas estabelecido na sessão de terça-feira passada foi definido sem qualquer critério científico. Ele reflete exclusivamente a média das propostas apresentadas pelos ministros desde que o tema começou a ser tratado pela Mansão, no distante ano de 2011.

Uma lei sobre o tópico deve envolver vários aspectos. É preciso considerar que, mesmo sendo considerada uma droga mais ligeiro, a maconha age sobre o sistema nervoso medial e provoca efeitos que inclui, entre outros, déficits cognitivos de longo prazo, impaciência, surtos psicóticos e perda de concentração. A relva é a porta de ingresso para o mundo das drogas. Depois de experimentá-la e de se habituar a seus efeitos, é geral que os usuários partam para experiências mais radicais com a cocaína e com outras substâncias mais pesadas.

Ou seja, não importa se a maconha seja a estrela principal ou mera coadjuvante no mundo das drogas. O que interessa é que ela faz segmento de uma engrenagem criminosa cada vez mais sólida, poderosa e nociva — que deve ser analisada não exclusivamente pelo lado criminal mas também por seus efeitos sociais. A maconha é segmento de um sistema que deve ser visto à luz do Recta, da tarifa social, da saúde pública e, simples, da segurança. E nunca da ideologia de quem defende ou de quem ataca seu uso.

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