Usuário ou traficante? Com a palavra, o STF

NORBERTO DUARTE

STF fixou em 40g quantidade de maconha para qualificar usuário

O  julgamento
finalizado no dia de ontem, 26 de junho, junto ao  STF,
envolvendo a questão da definição de usuário e de traficante no contexto do art. 28 da Lei 11343/2006 (Lei de Drogas), parece ter encerrado ao menos um capítulo sobre o tema. Todavia, somente no STF essa pequena romance parece ter encontrado qualquer desfecho.

Decidiu-se, no julgamento, remeter os casos de flagrante de usuário  (até 40 gramas de maconha)
inicialmente para a delegacia policial, e depois ao juizado peculiar criminal que, nos termos do voto do relator Ministro  Gilmar Mendes,
é o órgão competente para julgar tais casos, “não podendo a sentença dali exarada moderar qualquer natureza penal”.

O CNJ – Parecer Vernáculo de Justiça ficaria, nos termos do voto do relator, responsável por elaborar, no porvir, os procedimentos específicos a serem adotados nos Juizados Especiais Criminais, o que recebeu a divergência do Ministro Luiz Fux – tecnicamente correta – de que não é de cultura do CNJ fixar ritos ou procedimentos processuais.

O texto da decisão, porquê um todo, possui várias passagens exortativas, até mesmo meta-jurídicas, porquê um trecho do voto vencedor do relator em que leste vem “fazer um apelo aos poderes legislativo e executivo para que adotem medidas legislativas e administrativas para aprimorar as políticas públicas de tratamento ao dependente e deslocando o enfoque da atuação estatal do regime puramente repressor para um padrão multidisciplinar”.

Na mesma risca fica a questão de se inserir no julgamento uma diretriz de “encaminhamento do usuário e dependente aos órgãos de saúde pública”,
alguma coisa afeto ao Poder Executivo no campo das políticas públicas, e ao Poder Legislativo no tocante à regulação desse tipo detratamento/atendimento.

Por mais muito intencionado que possam ser tais disposições, o roupa é que não é papel do Judiciário, menos ainda do STF, exortar
os demais poderes a fazerem isso ou aquilo. A decisão judicial é uma das manifestações do poder soberano do Estado que, neste sentido, se impõe sobre qualquer outro em sua base geográfica.

As decisões judiciais podem moderar, digamos, acidentalmente, elementos de reflexão, ensino e ensinamento para outras atividades estatais, mas, no fritar dos ovos, é alguma coisa para ser cumprido e zero mais. Não é por outro motivo que um velho magistrado dizia: “ao juiz não cabe pedir e, se tiver que pedir, é melhor que não o faça”.

Causou ainda espécie, do ponto de vista técnico, que o ministro Flávio Dino tenha participado do julgamento. Explica-se: a Ministra Rosa Weber, a quem Dino substituiu, já havia votado por inteiro a material, o que foi reconhecido não somente pelo próprio Dino, mas também pelo presidente Luís Roberto Barroso que, paradoxalmente, manteve Dino nos debates e o agradeceu “por suas contribuições”.

Ministro do Supremo julga ou não julga, não havendo sentido em comportar a sua participação no julgamento porquê um “mentor informal” ou prestando um assessoramento para “enriquecer os debates”.

Para além desses aspectos todos, alguns, porquê dito, de natureza atémesmo meta-jurídica, alguma coisa bastante exacerbado no julgamento em questão, há ainda a questão da PEC 45/2023, em trâmite pelo Congresso, e já aprovada em duas votações no Senado.

O projeto está agora na Câmara. Pelo texto da PEC, o porte de qualquer quantidade de droga ilícita, configura delito, alguma coisa totalmente contrário ao julgamento havido no Supremo.

A questão é: o presidente da Câmara, Arthur Lira, irá “enfrentar” o STF – porquê fez Pacheco no Senado – ou irá recuar e dificultar de qualquer modo a tramitação da PEC em foco, ou até mesmo atuar no sentido de rejeitá-la na Câmara? Só o porvir poderá nos expressar.

Parece notório, porém, sendo uma ou outra a decisão na Câmara, a instalação de um desgaste (mais um) entre Legislativo e Judiciário, especificamente STF. É, portanto, uma romance ainda longe do seu termo.

Para quem quiser acessar mais material meu e de outros pesquisadores, deixo cá o  link do Instituto Crença,
do qual faço secção. 

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