Paris, o Sena e o tempo
Existe uma vida, mormente no verão, longe dos cafés de Paris.
Para quem, uma vez que eu, que gosta de sentar-se em um moca com um livro, ler um pouco, tomar um copo e permanecer vendo a vida passar, modorrentamente, à sua frente na lajedo, é quase inadmissível tudo isso que pulsa em Paris. Com a proximidade das olimpíadas, a cidade se vestiu com outras cores. Frenética e com um trânsito que desafia o humor já instável do parisiense. Para o turista, tudo continua sendo uma sarau e até trocar o vinho pela cerveja tem notório charme. À margem do Sena, as pessoas parecem querer, de alguma maneira, passar contra o tempo e deixarem-se levar pelas águas caudalosas do rio. Todo o mistério das águas escuras torna ainda mais insondável a vida de quem se dedica a flanar pelas ruas de Paris.
Um projeto ávido de 3 bilhões de euros promete deixar o Sena capaz para banhar. Parece que esqueceram-se de combinar com o rio, que está cada vez mais revolto e quase indomável com suas águas que abraçam a cidade e nos envolve a todos, uma vez que que a nos lembrar-nos de que vale a pena viver. As águas, que descem rumo ao mar, nos fazem companhia e, de alguma forma, nos inquietam e nos intrigam. O Sena tem uma vida própria que dá um notório sentido às angústias de quem nutriz Paris. Não são os parques, nem os grandes boulevards
e nem o luz da torre Eiffel que dão o aconchego; são as águas desse rio que têm vida. Uma vez que em um poema, ele abraça e logo solta, nos fazendo passar com ele uma vez que se fizéssemos secção do rio.
Fazer secção do dia a dia de uma cidade exige a coragem de se entregar aos sonhos mais intangíveis. Não querer definir zero e muito menos controlar. Exclusivamente virar chuva e se deixar levar uma vez que que a desafiar os nossos limites. Uma vez que Pessoa, ter um carinho próprio pelos rios que correm no nosso imaginário. E lembrar de Leão de Formosa, que cantou o rio da lugarejo dele e disse “que o Paranaíba é um rio triste, ensinou-me que o tempo não existe”.
Parar o tempo de repente é deixar de suportar um pouco e, talvez, olvidar a imensidão dos nossos problemas. É não olhar as milhares de pessoas que estão morando nas ruas, é não se vincular por instantes nas guerras que nos sufocam, é não ver a extrema direita que teima em emburrecer o mundo, é somente querer ser secção do rio e escorregar sem se importar de ter as margens a nos dar limites. Exclusivamente olvidar de tudo, uma vez que se fosse verosímil, num átimo, não ter mais memória. Nem mesmo sonho. Só ser chuva cumprindo, dolentemente, um direcção. Sabendo que em qualquer ponto vou desaguar no mar e ser protegido pela imensidão que me aguarda. É poder ser, perigosamente, indecifrável uma vez que os olhos vagos de uma pessoa idosa que você nutriz com Alzheimer.
Uma vez que nos lembrou Helena Kolody: “Quem é essa que me olha de tão longe, com olhos que foram meus?”.
Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay