Diálogos apontam que Moraes escolhia alvos de investigação e pedia ajustes em relatórios, diz jornal

Diálogos entre o gabinete do ministro Alexandre de Moraes no Supremo Tribunal Federalista (STF) e a Assessoria Próprio de Enfrentamento à Desinformação (AEED) – órgão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – apontam que alvos de investigação eram escolhidos por Moraes ou por seu juiz instrutor, Airton Vieira, segundo reportagem publicada pela Folha de S. Paulo nesta quarta-feira (14).

Na terça (13), o jornal havia assinalado que Moraes usou o setor de combate à desinformação do TSE, de forma não solene, para investigar bolsonaristas durante e posteriormente as eleições de 2022.

A reportagem de hoje revela a troca de mensagens entre Airton Vieira, juiz instrutor do gabinete de Moraes no STF, Marco Antônio Vargas, juiz facilitar de Moraes durante o período em que o ministro comandou o TSE, e Eduardo Tagliaferro, portanto superintendente do AEED.

Essas conversas indicariam que relatórios eram ajustados caso não agradassem ao ministro do Supremo. A Folha afirma que obteve o material com fontes que tiveram entrada a dados de um telefone que contém as mensagens, não decorrendo de interceptação ilícito ou entrada hacker.

Levantamento e desmonetização de “revistas golpistas”

Passadas as eleições presidenciais e a poucas semanas da posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para seu terceiro procuração, Vieira envia mensagem para Tagliaferro solicitando um levantamento sobre “revistas golpistas”, a término de desmonetizá-las nas redes sociais. Um link da revista Oeste é anexado ao texto de Vieira.

Tagliaferro retorna dizendo que vai checar as publicações do veículo.

A conversa continua no dia seguinte em um grupo integrado também por Marco Antônio Martins Vargas, juiz facilitar de Moraes no TSE. Tagliaferro avisa que, na revista Oeste, encontrou unicamente “publicações jornalísticas”, que “não estavam falando zero”. Ele questiona Vieira sobre o que deveria ser disposto no relatório.

Vieira responde: “Use sua originalidade…rsrsrs. Pegue uma ou outra fala, opinião mais ácida e…O ministro entendeu que está extrapolando com base naquilo que enviou…”

“Vou dar um jeito, rsrsrs”, responde Tagliaferro.

“Ele quer pegar o Eduardo Bolsonaro”, disse juiz facilitar

Ainda segundo os diálogos, o deputado federalista Eduardo Bolsonaro (PL-SP), rebento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), foi um dos alvos escolhidos por Moraes, que teria pedido para que se relacionasse o parlamentar com o prateado Fernando Cerimedo, estrategista do presidente prateado, Javier Milei, que fez live com fake news sobre as urnas eletrônicas.

“Ele [Alexandre de Moraes] quer pegar o Eduardo Bolsonaro. A relação do gringo com o Eduardo Bolsonaro”, enviou Vargas em 4 de novembro de 2022. “Será que tem?”, questionou Tagliaferro.

Na manhã seguinte, Tagliaferro afirma que “tem um vídeo do Eduardo Bolsonaro com a bandeira do jornal que fez a live de ontem, conseguimos relacionar ele àquilo”. Vieira agradece o colega.

Ambos mantiveram conversas sobre o tema ao longo dos dias seguintes. Em determinado momento, Tagliaferro envia um relatório intitulado “TSE – Relatório – Estudo Manifestações Antidemocráticas Fernando Cerimedo”. “Veja se o ministro vai gostar”, disse ele.

O documento, segundo a Folha, tem prints dos vídeos de Cerimedo e utiliza fotos do prateado com Eduardo Bolsonaro. “Ainda em estudo, identificamos, conforme exposto, a relação entre Eduardo Bolsonaro e o responsável das lives, Fernando Cerimedo, os quais se conhecem há muitos anos”, aponta trecho do relatório.

Conforme a reportagem do jornal, Vargas parece ter compartilhado o relatório do TSE com Moraes, uma vez que o juiz facilitar reencaminhou uma mensagem com ordens do ministro sobre o que deveria ser feito com o relatório.

“VARGAS: pode bloquear os sites indicados AIRTON: na PET sobre isso, vamos instituir o bloqueio também e o bloqueio das contas. Lembre-se sempre de dar ciência à PGR”, dizia a mensagem. Em seguida, Vargas diz a Tagliaferro: “Gostou e está disparando ordens.”

Minutos depois, Vargas repassou a Tagliaferro o pedido de Moraes e disse: “Puxou o fio da meada. Isso que importa.”

Depois o envio, Tagliaferro afirmou que “ele [Alexandre de Moraes] pode responsabilizar o EB pelas manifestações”.

“Já mandou prepara investigação nesse sentido no STF kkkkk”, respondeu Vargas.

Moraes pediu relatório sobre juíza ligada à família Bolsonaro

A reportagem mostra também que o ministro do Supremo pediu que Tagliaferro checasse as redes sociais da juíza Maria do Carmo Cardoso, do Tribunal Regional da 1ª Região, amiga da família Bolsonaro.

No dia 11 de dezembro de 2022, Vargas enviou o perfil da juíza no site do TRF-1 e questionou se Tagliaferro poderia “levantar as redes”.

“Se ela tiver, encontro”, responde Vargas.

Um dia depois dessa conversa, Vargas abordou o ponto novamente e encaminhou dois prints de publicações da juíza que, segundo a Folha, aparentam terem sido enviados por Moraes.

“Prepare o relatório para abrirmos uma PET e oficiarmos o CNJ [Conselho Nacional de Justiça]”, disse Vargas a Tagliaferro.

De harmonia com a reportagem, uma das publicações da juíza é sobre o ex-presidente Jair Bolsonaro ter recebido apoiadores no Palácio da Alvorada posteriormente a roteiro para Lula nas eleições daquele ano.

Na outra, Maria do Carmo critica a Despensa do Mundo do Espiolhar e diz que a “seleção verdadeira está na frente dos quartéis”, em referência às manifestações de apoiadores de Bolsonaro em frente a quartéis-generais do Tropa.

A CNN checou as redes sociais da juíza nesta quarta-feira. As publicações, que teriam sido feitas em 2022 não constam, no momento, em seu perfil no X.

No dia 13 de dezembro, Vargas encaminha novidade cobrança que, mais uma vez, aparenta vir de Moraes. “Prepararam relatório da desembargadora Maria do Carmo?”, dizia mensagem.

“Não te disse?”, afirma Vargas, ao que Tagliaferro responde: “tô finalizando.” Na tarde do mesmo dia, Tagliaferro enviou o relatório sobre a juíza e informou que iria encaminhá-lo também ao STF.

Moraes: procedimentos foram oficiais, regulares e estão documentados

Em nota, o gabinete do ministro Alexandre de Moraes esclareceu que, no curso das investigações, diversas determinações, requisições e solicitações foram feitas a inúmeros órgãos, inclusive ao TSE. “Os relatórios simplesmente descreviam as postagens ilícitas realizadas nas redes sociais, de maneira objetiva, em virtude de estarem diretamente ligadas às investigações de milícias digitais”.

“Todos os procedimentos foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos inquéritos e investigações em curso no STF, com integral participação da Procuradoria Universal da República”, encerra o texto.

Mostrar mais

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo
Fechar

Adblock detectado

Por favor, considere apoiar-nos, desativando o seu bloqueador de anúncios