
Os riscos da ‘leitura política’ de Gilmar Mendes
Os riscos da “leitura política” de Gilmar Mendes
O 12º Fórum de Lisboa, organizado pelo ministro Gilmar Mendes, começa hoje. O evento, divulgado uma vez que “Gilmarpalooza”,
vai reunir autoridades dos três poderes e vai discutir temas jurídicos, políticos e sociais. No aquecimento das turbinas do seminário, o ministro do Supremo Tribunal Federalista deu algumas declarações em Portugal. E uma delas labareda a atenção.
Quando perguntado pela CNN Portugal sobre as possibilidades de anistia ao ex-presidente Jair Bolsonaro, que está inelegível até 2030, Gilmar afirmou ser “muito difícil” que houvesse qualquer tipo de perdão judicial. O jornalista João Póvoa Nauta, que conduzia a entrevista, pediu logo que ele comparasse o caso de Bolsonaro com o do presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
que foi recluso e teve seu caso anulado.
A resposta do ministro foi a seguinte: “A jurisprudência tradicional do Tribunal desde antes da Constituição de 1988 era de que, com a decisão de segundo proporção, você podia mandar prender. Sempre foi assim. Em 2009, passou-se a entender que o texto constitucional exige o trânsito em julgado. E assim ficou. Na Lava-Jato, se construiu com Teori [Zavascki, falecido ministro do STF] a teoria de que era verosímil rever aquilo, estabelecendo a possibilidade de antecipar a realização da pena. Com a formato de todo o quadro, acabei fazendo uma leitura política e anunciei, na Turma, que não seguiria mais a jurisprudência e mudaria de posição quando o caso fosse levado ao plenário”.
“Leitura política”
A Constituição, em seu cláusula 5º, defende a imparcialidade dos juízes, afirmando no parágrafo XXXVII que “não haverá pensamento ou tribunal de exceção”. Dentro desse contexto, o termo “leitura política” não parece um tanto parcial? Quando o decano do STF faz tal asseveração, está admitindo que o cenário político
pode ter interferências em seu julgamento?
Curiosamente, o ministro Gilmar, durante a período áurea da Lava-Jato, foi um dos poucos ministros que não se deixou levar pelo base popular que a força-tarefa arregimentou – e manteve-se aparentemente mais indiferente na hora de debater as questões mais cabeludas que chegaram à Golpe.
Por outro lado, ele sempre olhou com suspicácia a movimentação do logo juiz Sergio Moro. Tanto que, na mesma entrevista ao jornalista português, disse o seguinte: “No Brasil, a gente inventou uma forma de combate à depravação, mas os combatentes gostavam também muito de numerário. É o caso de Sergio Moro e seus colegas, que inventaram essas fundações e buscaram se apropriar, uma vez que se estivessem remunerando-se pelo veste de terem combatido a depravação. Isso foi extremamente negativo”.
Voltando à “leitura política”. Toda vez que um ministro do STF volta detrás ou toma decisões que contrariam jurisprudências está contribuindo para a aumentar a instabilidade jurídica – um mal que assola nosso país. Quando vemos o mais idoso ministro do Supremo falar com tranquilidade sobre contrariar decisões sacramentadas pelo tribunal, isso é motivo de preocupação. Se todos os ministros seguirem esse exemplo e passarem a fazer “leituras políticas”, poderemos entrar em um caos jurídico nunca visto antes.