Roseana Murray: a mão esquerda

Reprodução: Flipar

A escritora Roseana Murray, de 73 anos

Meu velho e querido companheiro Presidente Sarney tem uma resposta na ponta da língua quando alguém, inadvertidamente, comenta sobre seus 94 anos: “a outra opção é muito pior”
. Viver é uma arte e, muitas vezes, somos submetidos a momentos de profunda provação. Penso, com carinho, na noite em que acordei depois de um grave acidente. Atado em uma leito e com a cabeça enrolada em um elmo de gazes. Achei que tinha morrido. Ninguém sabe porquê é a morte e, naquele momento, com a recordação do acidente e do estrondo enorme, julguei que era chegada a indesejável das horas.

Quando ouvi uma voz conhecida muito baixinha, ao fundo, percebi que tinha escapado. Na hora, quis saber porquê eu realmente estava. O que tinha perdido e pelo que teria que lutar. Primeiro, perguntei pelos “países baixos”. A certeza de estar muito foi tranquilizadora. Depois, quis saber da sisudez e a resposta foi seca: “você está cego de um olho e precisamos de 3 dias para julgar seu risco de morte”
. A partir daí, foi resistir e viver.

Fiz 13 cirurgias no olho, até em Moscou, e os tais 500 pontos no rosto propiciaram muitas histórias. Terminei meu curso na UnB com um olho vendado. O que me possibilitou narrar que tinha sido ferido por um tubarão na África do Sul, por uma queda de asa delta e, até, por um amante numa madrugada. Enfim, a vida porquê ela não é.

Acompanhei, emocionado, a tragédia que se abateu sobre a escritora Roseana Murray
. A autora de livros infantis, com 73 anos, foi, covardemente, atacada na porta de sua lar por 3 pitbulls enquanto fazia uma estirão às 6 horas da manhã. Com a violência da agressão, foi necessário decepar o braço recta e enfrentar lesões no braço esquerdo e no rosto.

A brutalidade dos cães tem que levar à discussão sobre a urgência imperiosa de se coibir a geração dessa raça. Ela já sofre restrições em murado de 24 países, porquê Reino Unificado, Espanha, Rússia, Argentina e Itália. Entendo que não são suficientes somente uma regulamentação e a tentativa de controle. O ideal é a proibição. Basta ver a agressividade com que foi atacada a escritora. É significativa a fala do rebento quando foi conversar com ela, ainda em situação gravíssima e com a vida correndo sérios riscos. Ela disse, com a voz muito tênue: “eu quero viver”
.

Impressiona ver a sua disposição, a sua alegria até em estar viva. Por mais que só ela saiba das dores que sente e do pânico que a acompanha, disse a um programa de televisão que, porquê escritora, está “se preparando para aprender a ser canhota”
. Falou para uma amiga: “Estou cá, faltando um braço, mas vamos reencetar de novo”
. E agradeceu a equipe médica: “Elas fazem um trabalho de aranhas douradas sobre minha pele. Estou muito”
. Anunciou, ainda, que irá fazer um sarau de trova no hospital e que quer presentear cada um que cuidou dela com um livro que escreveu “autografado com a mão esquerda”
. Parece que pensava nela própria ao redigir o poema Pedra Azul:

“Nos dias em que acordamos

do lado do avesso

e tudo parece que vira

mistério,

basta comprar

no Armarinho Mágico

a pedra azul de mudar

pensamentos.

Segure a pedra com força

e feito um moinho

moendo pedras,

tristeza vira alegria

e dor e trova.”

Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay

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