“Ainda Estou Aqui“: “É um filme sobre memória“, diz Fernanda Torres

O premiado “Ainda Estou Cá“, novo filme do diretor Walter Salles, chega aos cinemas nesta quinta-feira (7). O filme, segundo a protagonista Fernanda Torres, é “sobre memória” e “propõe uma reflexão sobre a ditadura e um estado dominador através de uma família e do afeto.

“Ainda Estou Cá” é fundamentado no livro de mesmo nome escrito por Marcelo Rubens Paiva, que fala sobre o desaparecimento de seu pai, o ex-deputado Rubens Paiva (Selton Mello no filme), durante a Ditadura Militar. Portanto a mãe do responsável, Eunice Paiva (Fernanda Torres), passa a enfrentar o estado dominador em procura de respostas sobre o paradeiro do marido.

Eunice Paiva dedicou sua vida na procura por justiça tanto para sua família quanto para os familiares dos outros presos políticos desaparecidos pelo regime. Ela só conseguiu a resposta sobre o que aconteceu com o marido em 2014, com a Percentagem Pátrio da Verdade – anos depois o desaparecimento de Rubens Paiva, que ocorreu em janeiro de 1971.

“É um filme sobre memória”, resumiu Fernanda Torres, que vive Eunice no longa, à CNN. “Cada país resolveu de uma maneira dissemelhante [as ditaduras militares na América Latina]: a Argentina teve uma ditadura militar muito curta e muito mortífera que acabou com a Guerra das Malvinas, muito traumática.. e isso facilitou que houvesse um julgamento e que as pessoas [responsáveis pelos crimes da Ditadura Militar argentina] fossem julgadas.”

“Muitas vezes falam: ‘O Brasil nunca fez isso’. E é verdade, o Brasil teve uma Ditadura Militar muito mais longa que acabou meio que se dissipando em uma crise mais longa”, continuou Torres. “E o negócio desse término de Ditadura foi uma anistia ampla universal e irrestrita para ambos os lados.”

“Isso é difícil para quem teve parentes desaparecidos”, discorreu a atriz. “Essa solução, por exemplo, nunca explicou pra família Paiva o que havia de traje sucedido com o pai deles. Eles nunca souberam, eles nunca tiveram o corpo.”

“[Apenas] quando a [a ex-presidente] Dilma criou a Percentagem da Verdade foi que a família conseguiu saber porquê foi, qual foi a razão, quem matou, entender até que foi um erro da própria Ditadura – eles torturaram mais do que deveriam e acabaram matando o Rubens Paiva. E imagina a valia disso para uma família que sofreu isso.”

Eunice e Rubens Paiva • Reprodução/Instituto Vladimir Herzog

A Percentagem Pátrio da Verdade foi instaurada pela ex-presidente Dilma Rousseff em 16 de maio de 2012 para apurar as violações contra os direitos humanos cometidas de 1946 a 1988, período que inclui a ditadura militar, que durou de 1964 a 1985. O trabalho na percentagem resultou em um relatório em 2014 sobre 191 mortes e 243 desaparecidos no Brasil e no exterior durante o governo militar, além das comprovações da “prática sistemática de detenções ilegais e arbitrárias e de tortura, assim porquê o cometimento de execuções, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres por agentes do Estado brasílio”.

Com o relatório, foi verosímil que a família Paiva finalmente tivesse uma resposta. Segundo os depoimentos reunidos e o relatório da CNV, foi delicado que o ex-deputado foi torturado de forma “extremamente violenta”, que “pode ter sido a razão principal da morte”.

“Portanto é muito difícil para todos que sofreram isso varrer seus corpos para debaixo do tapete”, continuou a atriz em conversa com a CNN sobre a valia da Percentagem da Verdade para os familiares das vítimas da ditadura, ressaltando que alguns dos militares também sofreram durante o período. “É uma quadra muito contraditória, muito confusa, é muito confuso para um torturador que tinha sido chamado pelo Estado para torturar pelo risco do comunismo invadir o Brasil e depois explicar para ele que ele não é mais um herói, é um criminoso.”

“Ainda Estou Cá” é lançado em 2024, ano que marca não somente 10 anos do lançamento do relatório da Percentagem Pátrio da Verdade, mas também a retomada da Percentagem Peculiar sobre Mortos e Desaparecidos Políticos pelo Governo Federalista, em julho deste ano, depois ter tido suas atividades interrompidas em 2022. Esse grupo em questão foi criado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em 1995.

O timing também faz com que, segundo Fernanda Torres, o filme traga reflexão sobre o impacto do estado dominador e da Ditadura Militar no país e nas famílias brasileiras.

“A reflexão que esse filme faz é: ‘Devemos voltar a esse estado dominador? Estado dominador é uma solução boa?’ Um estado dominador cria esse tipo de distopia quando você suspende os direitos civis, que é ruim para todo mundo”, continuou a atriz. “Eu tenho certeza que as forças armadas brasileiras têm um profundo sentimento de vergonha pela maneira porquê agiram, tenho certeza disso, e tenho certeza também que negar essas famílias o explicação sobre onde estão os nossos mortos é muito difícil.”

“‘Portanto, para não cairmos de novo nisso, não é melhor a gente não namorar com o autoritarismo?’ – o filme propõe isso através de uma família que poderia ser a minha, a sua, a de qualquer um. Portanto é um filme que propõe uma reflexão sobre a distopia de uma ditadura e de um estado dominador através de uma família e do afeto“, finalizou Torres à CNN.

“Ainda Estou Cá”: conheça história que inspirou filme com Fernanda Torres

Assista ao trailer de “Ainda Estou Cá”:

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“Ainda Estou Cá” foi escolhido pela Liceu Brasileira de Cinema para tentar simbolizar o país e conseguir uma indicação no Oscar 2025.

Durante a coletiva de prensa sobre o filme, Fernanda Torres chegou a manifestar que a verosímil indicação “é importante, mas não é a medida de tudo“.

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