
Febre do lítio na Argentina ofusca preocupação ambiental
Vista aérea de piscinas de evaporação para extração de lítio no Salar de Olaroz, Jujuy, Argentina, em 1º de julho de 2024
LUIS ROBAYO
“O lítio é ruim e ao mesmo tempo bom”, diz Anahí Jorge, que trabalha em uma empresa que extrai o metal e, aos 23 anos, ganha um salário quatro vezes maior que o de um funcionário municipal de seu povoado, Susques, na província argentina de Jujuy.
“Nos prejudica o problema da chuva, mas é bom para as pessoas que estão trabalhando hoje em dia”, explica à AFP.
Susques, um povoado com menos de 4.000 habitantes a 3.800 metros supra do nível do mar, é um dos mais próximos ao Salar de Olaroz, no setentrião, onde funcionam dois dos quatro empreendimentos de extração de lítio em tempo de produção no país: Salares de Jujuy e Exar.
Argentina, Chile e Bolívia formam o “triângulo do lítio”, uma região que pode sustar mais da metade das reservas desse mineral no mundo, segundo especialistas.
Em 2023, a Argentina ocupou a quarta posição no ranking mundial de produção do metal, detrás de Austrália, Chile e China, de concórdia com dados do Serviço Geológico dos Estados Unidos.
Elemento necessário para a transição energética, o lítio é fundamental nas baterias de automóveis elétricos, mas os métodos de extração em salares consomem uma grande quantidade de chuva, recurso que é escasso no planalto.
No entanto, em um país com murado de metade da população aquém da risca da pobreza e desemprego crescente, as preocupações ambientais podem ser ofuscadas pelas necessidades imediatas.
“É muito difícil recusar”, diz Anahí Jorge, contando que, antes da chegada das mineradoras, as jovens de seu povoado iam para a capital da província trabalhar uma vez que empregadas domésticas por salários muito menores.
– Reféns da economia –
Entre as casas de adobe e barro de Susques começam a surgir construções com revestimento e tijolos vazados. Seus habitantes, muitos descendentes de comunidades indígenas quechuas ou kollas, usam uniformes com faixas refletivas fornecidas pelas empresas.
Alguns trabalham há anos nas mineradoras e, em seguida obterem bons lucros, iniciaram seus próprios empreendimentos: transporte do pessoal da mina e pequenos hotéis.
“60% da população está trabalhando na mineração”, conta Benjamín Vázquez, de 41 anos, membro da percentagem municipal de Susques. Ele ressalta que as transformações não impactaram “a infraestrutura da comunidade”, uma vez que esgoto ou tubulações de gás.
A observador política especializada em meio envolvente, Melisa Argento, considera que a atividade mineradora provoca “conflitos intercomunitários” entre os povos nos quais se desenvolve e aqueles ficam à margem, e também “intracomunitários” entre os habitantes que conseguem acessar empregos nas empresas e os que não conseguem.
O preço da tonelada de lítio caiu de quase 70.000 dólares (R$ 384,3 milénio na cotação atual) em 2022 para pouco mais de 12.000 (R$ 66 milénio na cotação atual) em 2024, e esse tipo de flutuação resulta em suspensões de trabalhadores nas empresas: “As populações ficam atreladas às variações do mercado internacional”, afirma Argento à AFP.
“A maioria dos jovens daqui te diz ‘termino o quinto ano e vou trabalhar na mineradora'”, relata Camila Cruz, de 19 anos, que vive em Susques e estuda medicina a intervalo.
“Não percebem que a mineração não é um trabalho que vai porfiar para sempre. Você vai gerar renda, mas uma vez que ultimar, se não tiver estudado, não vai encontrar outro serviço”, observa à AFP.
– “Não há chuva” –
“Venho do campo e não há chuva”, diz à AFP Natividad Bautista Sarapura, uma camponesa de 59 anos, enquanto cozinha uma sopa de lhama no recinto de sua mansão. “Antes, com dois ou três metros, você conseguia chuva, agora (é preciso buscar) cada vez mais profundo”, comenta.
Cruz também se preocupa com o uso da chuva: “Nossos avós têm sua terreno perto da mineradora e uma vez que eles exportam o lítio, deixam tudo um deserto”, afirma.
Na tempo de extração de empreendimentos uma vez que os do Salar de Olaroz, entre 1 e 2 milhões de litros de chuva salobra evaporam para cada tonelada de lítio, e outros 140.000 litros de chuva rebuçado são usados para purificá-lo, segundo dados da Câmara Empresarial de Meio Envolvente da Argentina (CEMA).
“Atualmente, não se sabe a quantidade exata de chuva utilizada, não há controles eficazes”, observa Vázquez.
Em seu relatório sobre chuva de 2024, a ONU adverte que a extração de lítio pode “ter um impacto negativo nos suprimentos de chuva, no meio envolvente e na população sítio”.
“A mineração não é para toda a vida”, reflete Sarapura em seu rancho: “Se você souber respeitar nossa Pachamama (mãe terreno), teremos para toda a vida”.