
‘Tive sorte de continuar vivo, agora me preocupa o clima’, diz primo de Chico Mendes – ac24horas.com
O seringueiro Raimundo Mendes de Barros teve a sorte de continuar vivo na disputa sangrenta entre trabalhadores rurais e fazendeiros que tirou a vida de seu primo Chico Mendes nos anos 1990 no Acre.
“Achavam que com a morte de Chico íamos parar, mas avançamos sobremaneira”, diz Raimundão, porquê é sabido desde os tempos de sindicato.
“Deus foi generoso comigo. Tive Covid, tive AVC, perdi um pouco da virilidade, mas me sinto motivado de estar na floresta onde nasci e me criei.”
Herdeiro da militância na região amazônica (“o sangue que corria na veia de Chico corre na minha”), com passagem pela política sítio, o seringueiro de 79 anos mantém críticas aos latifundiários, aos pecuaristas de São Paulo, à foice e à motosserra. E incorpora temas porquê mudança climática ao oração em resguardo da Floresta Amazônica.
A imagem mostra um varão idoso com barba e cabelo grisalho, usando um boné vermelho. Ele está sorrindo e olhando para cima, com um fundo desfocado que sugere um envolvente interno. Ao fundo, é provável ver uma pessoa com uma camisa virente, mas não está claramente focada.
Raimundo Mendes de Barros é primo do seringueiro e ambientalista Chico Mendes, assassinado em 1988 em Xapuri, no Acre – Andre Carioba
Em junho deste ano, Raimundão realizou um sonho: inaugurou uma marcenaria comunitária no coração da Suplente Extrativista Chico Mendes, a 20 km de Xapuri (AC), mesma terreno em que o ícone ambientalista levou um tiro em 1988.
O Ateliê da Floresta faz arte, móveis e utensílios com resíduos de árvores que naturalmente caem, oferecendo uma novidade nascente de renda e orgulho para a comunidade. Galerias de Manaus e de São Paulo encomendam produtos da marcenaria.
O projeto tem espeque do Lira (Legado Integrado da Região Amazônica), iniciativa do IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas) que identifica e financia iniciativas socioambientais para preservar a Amazônia.
Em quatro anos, o Lira investiu R$ 46 milhões em 50 projetos de impacto na região, com recursos do Fundo Amazônia e da Instalação Gordon and Betty Moore.
A imagem mostra três pessoas em um envolvente de construção. À esquerda, um jovem com um chapéu evidente e camisa de manga longa observa com um sorriso. No meio, um varão idoso com barba e um chapéu vermelho está em pé, olhando para cima, com uma sentença pensativa. À direita, uma mulher com óculos escuros e uma blusa colorida está sentada, olhando para o varão idoso. Eles estão próximos a uma parede feita de tijolos de cor laranja, e o teto é de metal ondulado.
Raimundo Mendes de Barros com Bleno Caleb e Jannyf Christina, da SOS Amazônia, durante as obras do Ateliê da Floresta – Andre Carioba
“A luta que construímos com Chico nos libertou da escravidão e do domínio do patrão. Ele sonhava que um dia os caboclos e caboclas fossem considerados iguais aos da cidade”, afirma o seringueiro.
Raimundão faz um paralelo entre a vida na seringa à era de Chico Mendes e nos dias atuais nesta entrevista à Folha. Leia os principais trechos.
Uma vez que estão as ameaças à Floresta Amazônica? São as mesmas dos anos 1980?
Continuam sendo um problema sério. Hoje não é só quinteiro que derruba a floresta. Os pequenos, na ânsia de botar moeda no bolso, destroem a mata pela foice e pela motosserra, tiram madeira de forma clandestina e criam boi. É uma febre desgraçada.
Eu vivi a violência do latifúndio com os companheiros seringueiros. Fizemos inúmeros empates, junta para tentar parar os peões que iam derrubando tudo para o pasto. Chico tinha aprendido que era provável edificar poder pela luta armada, mas não queria isso. Tinha personalidade equilibrada e sabida, orientava a não agir com violência.
O sangue que corria na veia dele corria na minha. Estávamos diante de pobres, pais de família que migravam de outros estados para fazer sua sobrevivência. Só que eles tiravam a nossa, pois vivíamos da borracha e da castanha, porquê nossos avós.
Foi grande a luta. Hoje não nos preocupamos somente com a sobrevivência, mas com a questão climática cá na região.
Uma vez que o clima tem afetado a vida de vocês? Vivemos uma situação perigosa e que não era normal no pretérito. Tínhamos meses muito determinados de chuva e meses de verão, quando não chove. Agora chove muito quando é para fazer verão. Com a tiragem das árvores, o solo fica exposto ao sol e não tem ramagem para haurir a chuva que cai. É um transtorno danado.
As águas correm por lugares baixos, vai aterrando tudo. E aí começa a faltar chuva para nossas vertentes. No ano pretérito, elas secaram em agosto, agora em julho já está começando. Nunca tinha visto isso desde que cheguei cá.
É grave para nós, filhos natos da floresta, que temos consciência de que a floresta é nascente de sobrevivência.
“É um transtorno danado”. Raimundo Mendes de Barros sobre os efeitos da mudança do clima em Xapuri (AC)
O que vocês têm feito para encarar as ameaças da foice e do clima? Eu estou cá muito ao lado de uma quinta de um grupo de pecuaristas, vendedores de músculos de São Paulo. Cultivar castanha, borracha, óleo da copaíba, chuva de jatobá e açaí nos dá requisito de continuarmos cá na floresta. Sem espeque a esses nossos produtos, as pessoas se desestimulam e partem para ser peão de quinta, boia-fria.
Há alguns anos, nossa comunidade discutiu manejo comunitário, mas o sonho mesmo era reaproveitar sobras de árvores que apodrecem na floresta. É a madeira que cai nos temporais, que morre com a faísca da chuva ou com a queda proveniente.
Queremos a floresta viva e zero melhor que atuar com marcenaria. Achamos um parceiro, a SOS Amazônia, que se sensibilizou com o Ateliê da Floresta.
Uma vez que vocês reaproveitam esses resíduos das árvores? Na minha colocação [área em que mora a família de Raimundão dentro da reserva] tem 9 estradas de seringa, 500 hectares de floresta, tem bastante árvore morta. Eu não uso de anelo, sou do coletivo, de fazer junto. Vamos na mata, cortamos aquelas que estão caídas e trazemos para a marcenaria. De lá sai material de decoração, de cozinha, gamela, colher, escumadeira, garfo, pilão para pimenta, uma variedade de objetos.
E esse projeto tem mantido a juventude na terreno? Tem 14 pessoas trabalhando no Ateliê. Estamos formando artesãos, criando uma profissão, aumentando renda e colocando mais um trocado na cesta. Mas ainda assim é uma situação delicada para os pais da floresta. Muitos de seus filhos vão para a cidade. Só um dos meus vive comigo, os outros se foram.
Apesar das questões territoriais e ambientais, a vida melhorou para as famílias?
Cheguei cá há 44 anos. O analfabetismo era demais, não sabíamos o que era saúde, não recebíamos uma assistência, era isolamento totalidade do poder público. Só nos “alumiávamos” com a luz do querosene ou com o leite da seringa dentro da lata com areia. Só os patrões da borracha compravam e vendiam mercadoria.
A luta que construímos com Chico nos libertou da escravidão, do domínio do patrão e da violência do latifúndio perverso. Ele sonhava que um dia os caboclos e caboclas fossem considerados iguais aos da cidade. Hoje temos escola, geladeira, televisão e nossos filhos vão à faculdade. Temos a bojo enxurro. Avançamos sobremaneira.
“Eu não uso de anelo, sou do coletivo, de fazer junto” – Raimundo Mendes de Barros sobre a metodologia do Ateliê da Floresta
E qual o balanço que o senhor faz da vida ao completar 79 anos? Deus foi generoso comigo. Dei conta do sindicato, da câmara [foi vereador de Xapuri por quatro mandatos] e da família. Tive oito filhos. Fui a lugares porquê Itália, Alemanha e Estados Unidos para falar da nossa situação e lucrar aliados.
Tive Covid, tive AVC, perdi um pouco da virilidade, mas me sinto motivado de estar na floresta onde nasci e me criei. Tive a sorte de continuar vivo.
Relâmpago-X
Raimundo Mendes de Barros, 79, sabido porquê Raimundão, é seringueiro e extrativista. Atuou na Sucam (Superintendência de Campanhas de Saúde Pública), foi presidente do sindicato de trabalhadores rurais da região e vereador por Xapuri (AC) durante quatro mandatos, tendo os direitos desses trabalhadores porquê plataforma política. Braço recta de Chico Mendes, seu primo, seguiu lutando pela preservação da floresta mesmo posteriormente sua morte, em 1988.