Por que o codeshare entre Azul e Gol deveria ser analisado pelo Cade
Na última semana, Azul e Gol anunciaram um congraçamento
para compartilhamento de voos em rotas nas quais não há sobreposição de voos entre as duas empresas.
Demais, elas informam que permitirão que membros dos programas Azul Fidelidade e Smiles (da Gol) acumulem pontos ou milhas no programa de sua escolha quando adquirirem os trechos inclusos no codeshare.
Não tenho qualquer incerteza de que, sob o ponto de vista empresarial, há todo sentido nesta operação, principalmente para a Azul, que tem uma larga capilaridade por todo o país, uma vez que o próprio transmitido informa. Não obstante, não vejo uma vez que líquido e evidente que o consumidor só terá a lucrar com esse congraçamento. Por isso, entendo que, seja por prevenção das próprias empresas, seja porque envolve uma questão concorrencial não trivial, esta operação, em pessoal, deveria ser apresentada previamente ao Cade (Parecer Administrativo de Resguardo Econômica).
Apesar de a Solução 17/2016 do Cade e decisões posteriores do órgão permitirem uma eventual intepretação de que esse tipo de congraçamento não precisaria ser apresentado durante um período de dois anos (devendo só ser levado posteriormente para estudo se ultrapassar esse limite de tempo), entendo que há questões que merecem ser mais muito entendidas sobre o efeito dessa “união de esforços entre as empresas”.
E, para isso, lembro de três aspectos. O primeiro é que, pelo quanto anunciado até o momento, o compartilhamento não está direcionado para a redução de custos, mas sim para a elevação de receitas. Não há aparentemente zero que indique, por exemplo, racionalização de rotas ou redução de custos operacionais em aeroportos, que estejam diretamente ligados ao quanto proposto. Ou seja, o objetivo parece ser reduzir qualquer proporção de ociosidade nos voos (melhorando a eficiência alocativa) e conquistar segmento da disposição de alguns consumidores pagarem um preço suplementar (conquista do chamado excedente do consumidor).
O segundo deles é que a estudo de concorrência deve ir além de uma simples avaliação de cláusulas contratuais e de possíveis mudanças estruturais no mercado. Na verdade, até mais importante do que esses aspectos é a estudo das alterações dos incentivos a concorrer gerados no mercado.
E, nesse sentido, vale lembrar de um estudo de 2023 do Cade
que, apesar de aplicado a processos de aquisições propriamente ditos, levanta, ao meu ver, uma preocupação bastante pertinente no setor, que também não deveria ser negligenciada em casos de codeshare envolvendo empresas que operam no mesmo país, qual seja: o impacto da concorrência potencial uma vez que forma de inibira cobrança de preços supracompetitivos.
De uma maneira simplista, a lógica da tese da concorrência potencial indicaria que, sob certas circunstâncias, mesmo em rotas nas quais opera uma única empresa, poderíamos encontrar preços próximos ao competitivos. Isso ocorreria porque a companhia aérea já estabelecida nessa rota perceberia que empresas que estão em mercados (rotas) próximos (principalmente operando em mesmos aeroportos) poderiam facilmente entrar nas suas rotas, caso elevem seus preços.
No codeshare
apresentado na última semana, oferecido que se limita a rotas nas quais as duas empresas não concorrem atualmente, a questão seria determinar se essa associação não tiraria esse tipo de pressão competitiva ou mesmo se não atrasaria uma eventual ingressão de uma das duas empresas na rota de sua “novidade associada”. Demais, vale entender melhor também o efeito sobre o próprio grupo Abra, da qual a Gol passou a fazer segmento mais recentemente.
O terceiro paisagem a ser considerado é que, no setor airado, o padrão de precificação envolve o que se conhece na literatura econômica uma vez que discriminação de preços de terceiro proporção. Mais precisamente, as empresas procuram identificar grupos de consumidores com dissemelhante disposição a remunerar e reservam um número de assentos dentro de cada voo considerando essa perspectiva.
Nesse sentido, não há uma vez que se descartar, a
priori
, que a venda de passagem combinada e consequente elevação da demanda nessas rotas não faça, pela própria lógica econômica, com que o número de assentos vendidos com preços menores seja reduzido, dando lugar à venda de passagem com preços mais elevados. Demais, é verosímil que sobrem menos assentos disponíveis para emissão de passagem via programa de fidelidade, inclusive com a premência de utilização de mais pontos.
De toda forma, a redistribuição de assentos entre grupos não é um problema per se, cabendo determinar também o efeito sobre a quantidade totalidade de passagens vendidas nesses trechos (eficiência alocativa).
Indumentária é que, a exemplo de qualquer caso envolvendo a dimensão de resguardo da concorrência, não há uma regra ex-ante que permita declarar que oriente é ou não um caso que efetivamente restringirá a concorrência. Entretanto, oferecido o quanto apresentado até o momento, faz todo sentido econômico o Cade avocar e conduzir uma estudo mais detalhada deste codeshare;
mesmo porque a própria lei antitruste brasileira (Lei 12.529/11) contém dispositivos para isso.
Reforço que não estou apregoando a priori
que esse congraçamento deva ser desconstituído, mas merece, no mínimo, um séquito mais de perto da ANAC (Filial Vernáculo de Aviação Social) e do Cade sobre seus efeitos nos mercados afetados pela operação, considerando, ainda mais, a possibilidade futura de uma união definitiva entre as duas empresas.