Para além da madeira, o aço, o barro e o concreto surpreendem no envelhecimento de vinhos

Recentemente, o Guia Descorchados, publicação de maior relevância sobre vinhos sul-americanos, surpreendeu o mercado ao conceder inéditos 100 pontos (pontuação máxima e nunca alcançada) para dois exemplares argentinos, ambos da variedade malbec. O mais surpreendente é que ambos, acreditem, não têm nenhum contato com o roble ou qualquer outra madeira no processo de elaboração.

Os dois são vinhos que impressionam pela concentração na extração e pela complicação, mas que, contrariando o estilo clássico de Mendoza, privilegiam a fruta e a sentença da variedade da uva. Esse é mais um vestimenta que ilustra uma tendência na enologia moderna: alternativas ao uso do roble na elaboração dos vinhos.

Falar em madeira é quase sempre pensar nos barris de roble, sejam eles de roble americano ou europeu (em sua maioria gálico). Mas também existem outras madeiras, tais uma vez que cerejeira, acácia ou mesmo o brasileiríssimo ipê, que podem ser usadas no processo. Contrapondo-se aos vinhos amadeirados que permaneceram hegemônicos nas últimas décadas, a vez agora é dos vinhos que expressam cada vez mais o lugar de onde vêm e as variedades de uvas com que são produzidos.

Para isso, enólogos buscaram alternativas aos recipientes de roble. O aço inoxidável chegou à indústria do vinho ainda na dezena de 1960 e foi — e ainda é — uma das maiores inovações da vinificação moderna. A facilidade de moldar os diversos formatos e tamanhos facilita o trabalho do enólogo, que pode levedar grandes quantidades ou partidas pequenas e experimentais. Aliás, permite uma produção mais limpa, dada sua fácil assepsia, manutenção e controle de temperatura.

Mais de 2.000 anos detrás, os resquícios mais antigos da história da vinicultura revelam que eram de barro, ou de barro, os primeiros recipientes usados para levedação e, posteriormente, transporte e armazenagem do vinho. As ânforas de barro (ainda mais quando soterradas) controlavam melhor a temperatura e conservavam melhor o vinho, evitando que se tornasse vinagre. A princípio, a levedação em ânforas ocorre de forma menos intervencionista e resulta em vinhos de fruta mais pura, com boa estrutura e complicação.

O queridinho e onipresente nas experimentações de enólogos mais atualizados é o concreto. E ele pode se fazer presente nos diversos formatos de tanques e recipientes, incluindo os “ovos”, que surgiram na Borgonha e que hoje são utilizados no mundo todo. O resultado são vinhos de complicação e textura desejadas, mas com protagonismo totalidade da fruta e com as características primárias da uva preservadas.

Por término, a grande mudança — ou tendência — na enologia moderna é que tais alternativas à madeira estejam presentes justamente na elaboração dos melhores vinhos do produtor, uma vez que os malbecs estrelados do início deste texto. Fica evidente que grande é o vinho que expressa a sua variedade, seu solo e a cultura daqueles que o elaboram, o que chamamos de terroir, a sentença máxima do vinho.

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