Como a branquitude afeta o desenvolvimento produtivo da população negra?
O impacto da invisibilização das pessoas negras vai muito além de barreiras no mercado de trabalho. No Brasil, onde pretos e pardos representam 54% da população, segundo o IBGE, essa maioria enfrenta desigualdades históricas em praticamente todas as esferas.
Enquanto a taxa de analfabetismo entre pessoas brancas supra de 60 anos é de 8,6%, entre os negros, o índice sobe para 22,7%. Essas desigualdades também se refletem nos espaços de liderança. Embora mulheres negras representem 54% dos trainees, unicamente 1,8% ocupam cadeiras nos conselhos de gestão, conforme aponta o Instituto Ethos.
Esses números evidenciam a dificuldade de romper com a estrutura de branquitude que rege a economia brasileira, onde a perspectiva branca é vista uma vez que universal, punindo vivências negras e limitando o aproximação às oportunidades.
Para Grazi Mendes, professora da Instalação Dom Cabral e executiva de heterogeneidade, isenção e inclusão na ThoughtWorks, transformar esse cenário exige muito mais do que ações pontuais. É necessário repensar profundamente as práticas de contratação, promoção e até mesmo a cultura corporativa, que frequentemente exclui a população negra de decisões estratégicas e narrativas de sucesso.
A EXAME conversou com Grazi Mendes sobre uma vez que desconstruir o pacto da branquitude e promover mudanças reais para combater o racismo estrutural. Confira a seguir:
Porquê funciona a branquitude?
Para transformar uma estrutura corporativa, é precípuo entender o que é branquitude e uma vez que ela opera no envolvente de trabalho. A branquitude não se refere a preconceito contra pessoas brancas, mas ao conjunto de normas, valores e práticas que, historicamente, colocaram a experiência e perspectiva branca uma vez que universal e neutra — o “normal”. Em outras palavras, a branquitude é uma estrutura que favorece um grupo específico de pessoas brancas, muitas vezes de forma inconsciente, enquanto invisibiliza ou subvaloriza outros.
No envolvente corporativo, a branquitude se manifesta na forma de práticas de contratação, de promoção e de políticas que reforçam uma visão única de sucesso e conhecimento. Dados do Instituto GEMAA (Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa), por exemplo, mostram que unicamente 4,7% dos cargos executivos nas empresas brasileiras são ocupados por pessoas negras, embora elas representem mais da metade da população do país.
Para ilustrar, uma prática geral é a utilização de perfis “ideais” de candidatos para cargos de liderança, onde características subjetivas e enviesadas, uma vez que “fit cultural”, tendem a substanciar a contratação de pessoas semelhantes às que já ocupam esses espaços — geralmente brancas. Outrossim, muitas vezes a definição de “liderança” se alinha a comportamentos e posturas que não consideram diversidades culturais.
Porquê quebrar essa estrutura?
Pequenas práticas podem iniciar o processo de mudança, mas somente grandes revisões nas políticas e nos processos internos possibilitam uma redistribuição justa de poder e oportunidades. Esse processo envolve revisar detalhadamente práticas uma vez que critérios de promoção, geração de políticas claras de accountability e, principalmente, a inclusão de metas objetivas para representatividade racial.
Por exemplo, um estudo do Instituto Ethos apontou que, nas maiores empresas brasileiras, unicamente 6,3% dos cargos de supervisão e 4,7% dos de gerência são ocupados por pessoas negras, evidenciando um funil de curso. Isso reflete a urgência de transformar processos de avaliação de desempenho para que esses números aumentem, garantindo que pessoas negras sejam incluídas em programas de desenvolvimento de liderança e sucessão.
Porquê evitar as microagressões e violências raciais e seu impacto nos profissionais?
É importante estabelecer novas “regras” com políticas concretas de redistribuição de poder. Mas é também precípuo investir em ensino e conscientização contínua. Não se trata unicamente de modificar práticas para que elas levem a uma transformação de mentalidades; é necessário reeducar lideranças para que práticas inclusivas sejam implementadas de maneira originário e genuína.
Em vez de encarar a branquitude uma vez que uma sátira ou ataque a pessoas brancas, é importante entendê-la uma vez que uma estrutura que, mesmo de forma implícita, favorece um grupo em detrimento de outros. Ao desafiar essa estrutura, empresas criam um envolvente mais justo e inclusivo, onde o talento e a conhecimento tornam-se os critérios principais de valorização e promoção.
Porquê o setor corporativo deve agir para promover uma cultura de isenção racial?
O impacto da branquitude se dissolve à medida que empresas educam suas lideranças e colaboradores sobre a valor de outras perspectivas. Reeducar mentes — e isso inclui lideranças brancas — é crucial para que o combate ao racismo estrutural se torne um valor, e não unicamente uma tendência temporária. Práticas de heterogeneidade devem vir acompanhadas de um processo de conscientização contínua, para que o combate ao racismo estrutural seja entendido uma vez que uma questão estratégica e moral.
Um exemplo de prática efetiva é a geração de grupos de afinidade, que permitem que vozes negras e de outros grupos sub-representados nas empresas sejam ouvidas diretamente nas decisões estratégicas. A adoção de comitês de heterogeneidade com poder de influência real e a geração de canais para denúncias de discriminação racial também são fundamentais.