
Seca e incêndios incomuns preocupam setor agrícola no Brasil
Incêndio em Iguaçu Velho, estado do Rio de Janeiro, em 13 de setembro de 2024
Pablo PORCIUNCULA
Marcos Meloni não esquecerá tão cedo o dia no termo de agosto em que lutou contra as chamas que ameaçavam consumir sua plantação de cana-de-açúcar.
“Quando estávamos no combate ao incêndio, o plástico do espelho retrovisor do caminhão-pipa chegou a encolher” por culpa do calor intenso, relata à AFP leste colono de Barrinha, a 340 quilômetros de São Paulo, no coração de uma importante região produtora.
“Eu achei que ia partir dessa”, admite.
Os incêndios incomuns de grande magnitude, que ocorrem da Amazônia até o sul do país há várias semanas, em grande secção de origem criminosa, segundo as autoridades, são favorecidos por uma seca histórica que especialistas atribuem em secção às mudanças climáticas.
O resultado é que as colheitas de cana-de-açúcar, café-arábica, laranja e soja — produtos dos quais o Brasil é o maior produtor e exportador mundial — correm o risco de serem afetadas. Aliás, as chuvas esperadas para outubro podem ser, em algumas regiões, inferiores à média.
Em todo o estado de São Paulo, pelo menos 231.830 hectares de plantações de cana-de-açúcar — dos quatro milhões usados na principal região produtora de açúcar do país — foram atingidos em diferentes graus pelos incêndios, com metade da safra ainda a ser colhida nos próximos meses, segundo a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica).
“Onde a cana ficou em pé, prevemos uma redução de metade da produtividade”, indica José Guilherme Nogueira, CEO da Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil (Orplana).
Meloni já havia realizado a colheita, mas sofreu danos significativos. “Queimou onde havia brotos, que não estavam saindo, pela escassez de chuva. Agora estamos esperando para ver em qual superfície será necessário plantar novamente”.
– “Terebrar os olhos” –
Em Minas Gerais, estado responsável por 70% da produção de moca arábica do Brasil, os cafeicultores também esperam pela chegada das chuvas, necessárias para a floração dos cafeeiros e para a formação dos grãos de moca que serão colhidos no próximo ano.
“Falta chuva no solo, nos últimos 40 anos, é o pior deficit hídrico”, lamenta José Marcos Magalhães, presidente da Minasul, a segunda maior cooperativa do país. Até o termo do mês, “tem que ter chuva de boa intensidade” para que haja esperança de uma colheita normal em 2025.
No entanto, as condições climáticas adversas dos últimos tempos já prejudicaram a safra 2024-2025, que está prestes a ultimar.
Enquanto a Companhia Pátrio de Provisão (Conab) previa em maio um aumento de 8,2% na produção de arábica, “é provável que os dados sejam reduzidos para ordinário”, estima Renato Ribeiro, do Meio de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Universidade de São Paulo.
Concentrada nos estados de São Paulo e Minas Gerais, a produção de laranja, em grande secção destinada à indústria de sucos, também deve tolerar com a seca.
Depois anunciar, em maio pretérito, que a colheita de 2024-2025 seria a mais baixa em três décadas, a associação dos produtores de cítricos do Brasil, Fundecitrus, reduziu ainda mais as previsões há alguns dias e agora estima uma queda de 29,8% na produção, já prejudicada por uma praga bacteriana.
Pilar da força política e da projeção internacional do agronegócio brasílico, a soja também não está imune.
Levante ano, a colheita deve tombar 4,7%, segundo a Conab, culpa da seca e das chuvas torrenciais que atingiram o Rio Grande do Sul em abril e maio. Agora, a seca está atrasando o novo plantio nas regiões produtoras.
“Se o clima melhorar, os sojicultores conseguem restabelecer o tardada”, aposta Luiz Fernando Gutierrez, exegeta da consultoria Safras & Mercado. Mas “se a seca perdurar e pegar outubro, aí começa a ter problemas de lavoura” em 2025, alerta.
Um dos setores econômicos mais impactados pelas mudanças climáticas, a agroindústria tem grande responsabilidade por sua própria desgraça, aponta o climatologista Carlos Sublime.
“Historicamente, é o setor que mais emite gases de efeito estufa no Brasil. Tem que reduzir, e zerar o desmatamento. Ele tem que transfixar os olhos”, afirma.