Chegou a hora de descobrir destinos turísticos no Brasil
Houve um período na história pátrio em que era mais barato para uma família de classe média viajar para o exterior do que fazer turismo no Brasil. Esta que vos escreve testemunhou essa veras, principalmente durante a dezena de 1980 e até meados dos anos 1990, quando o Brasil passou por sucessivas crises econômicas, hiperinflação e planos governamentais mirabolantes, resultando numa desvalorização significativa de finadas unidades monetárias que não nos deixaram saudade: o Cruzeiro, Cruzado, Cruzado Novo e Cruzeiro Real.
Essa situação começou a mudar com a implementação do Projecto Real em 1994, que estabilizou a economia, fomentou investimentos e aumentou o poder de compra da classe média, tornando o turismo doméstico mais alcançável e atrativo.
Com a consolidação de nossa atual moeda, nossos conterrâneos foram preferindo cada vez mais as viagens internacionais. Não que o Brasil fosse preterido, mas aquelas ao exterior suplantavam as feitas cá, internamente.
Mas eis que chega 2020 e a pandemia de Covid-19, forçando todos a ficarem em mansão ou, quando muito e provável, viajarem para localidades próximas. Com isso, o turismo interno recobrou as forças, mas por pouco tempo. Com o termo da pandemia, em 2023, as preferências se dividiram entre Brasil e, quando as finanças possibilitavam, visitas aos Estados Unidos e nações europeias, principalmente.
Nos últimos meses, porém, está ficando cada vez mais difícil “turistar” fora do Brasil. Em tempos de Dólar – e de quebra, o Euro – nas alturas e em voo de cruzeiro, qualquer viagem ao exterior é um cheque em branco. Exceto o “all inclusive”, o risco de se fugir do controle orçamentário é imenso e nem o uso do cartão de crédito, com seus juros ainda extorsivos, aliviam o pesadelo de um tanto que era antes um sonho de verão – ou seja lá a estação.
E pouco indica que o Dólar ou o Euro caiam e o Real se valorize. As despesas do governo federalista e a política fiscal têm um impacto significativo na taxa de câmbio da moeda norte-americana no Brasil, e os imbróglios do golpe de gastos e da reforma tributária tendem a perdurar esta situação, pois a percepção de risco e a suspeição do mercado levam a uma maior demanda pelo Dólar, elevando seu valor em relação a nossa moeda.
Com isso, destinos domésticos do nosso lindo país voltaram a ser a globo da vez.
Nos primeiros seis meses deste ano, segundo a Fecomércio-SP, o turismo brasílico faturou R$ 95,3 bilhões, o melhor patamar desde 2019, e de convenção com pesquisa da ForwardKeys, o Nordeste e o Sul foram os grandes responsáveis por impulsionar o turismo doméstico nesse período. E apesar dos altos preços dos bilhetes aéreos, neste segundo semestre o turismo interno segue em subida – um levantamento da Decolar aponta um incremento de 52% nas buscas por hospedagens em destinos nacionais, perante ao mesmo período do ano pretérito.
A muito da verdade, essa bela performance do turismo doméstico que se ensaia não seria provável somente pelo superior dispêndio cambial de moedas estrangeiras, que inviabiliza o turismo no exterior.
Além das melhorias em infraestrutura, notadamente em nossa malha aérea – e a depender do estado, também da malha viária –, o setor de hotelaria pátrio registra um aumento nos investimentos, com novos hotéis sendo construídos e os existentes sendo reformados para atender às demandas dos turistas. Hoje, seja quantitativamente ou qualitativamente, temos excelentes opções de acomodações, para todos os bolsos e gostos.
Além do turismo de negócios e de lazer, temos destinos com vocações ecológicas, esportivas e culturais. Quem diria, por exemplo, que o Piauí abriga a maior concentração de pinturas rupestres do Brasil e das Américas? Pois o Parque Pátrio Serra da Capivara, patrimônio mundial pela Unesco, possui mais de 30 milénio pinturas rupestres, algumas datando de até 12 milénio anos. E ainda temos os Lençóis Maranhenses, a Amazônia, as Cataratas de Iguaçu, o Rio de Janeiro e o Instituto Inhotim, um dos maiores museus de arte contemporânea ao ar livre do mundo, localizado em Brumadinho, Minas Gerais, onde, por sinal e não por coincidência, será inaugurado em dezembro próximo a terceira unidade do Clara Resorts, o Clara Arte.
Esses e outros destinos têm potencial de atrair mais turistas brasileiros e também de outros países. Apesar de o Ministério do Turismo ter recentemente comemorado o montante de 4,9 milhões de turistas estrangeiros entre janeiro e setembro deste ano, um aumento de 12% em relação ao mesmo período de 2023, o Brasil no ano pretérito foi o 5º no ranking dos países latino-americanos, segundo a Organização Mundial do Turismo (OMT), com 3,63 milhões de visitantes, ficando detrás da Argentina (4º), Colômbia (3º), República Dominicana (2º) e México, o primeira na lista com impressionantes 38,33 milhões de turistas.
Na esteira da moeda pátrio desvalorizada, o Brasil pode e deve impulsionar o turismo estrangeiro.
Porém, há lições de mansão a serem feitas – e com urgência! Uma delas é a segurança e as atuais notícias não são animadoras: nosso país, que apareceu na 15ª posição no ano pretérito, acaba de desabar para a 36ª no ranking elaborado pela empresa de seguros de viagem Berkshire Hathaway. Outra prelecção são os entraves burocráticos para licença de vistos e, principalmente, o termo da obrigatoriedade deles para cidadãos dos EUA. E uma terceira, que exige realmente um programa intenso de aulas, se refere à barreira da língua, com o intuito de superarmos o costumeiro monolinguismo da população, mas principalmente da mão de obra na prisão produtiva do turismo.
Sabemos que o que falta ao Brasil nesses três quesitos supra, nos sobra em hospitalidade, alegria, sabores e cultura, seja ela na música, dança, voga, design, arquitetura e artesanato. São todas elas manifestações de nossa gente, gente que por si só é uma atração turística e compõe as belezas imateriais deste país. E não é preciso ser estrangeiro para deslindar isso; um brasílico também (re)descobre o Brasil e a si mesmo ao saber mais profundamente sua própria terreno e seus conterrâneos. Por essas e outras, com Dólar e Euro supervalorizados ou não, é a hora e a vez do turismo no Brasil.