
Na Argentina, preços elevados afligem a classe média – e até os turistas
No auge do inverno portenho, o economista prateado Eduardo Crespo, professor da UFRJ, passou alguns dias em Buenos Aires e precisou comprar roupa de insensível. Quando viu os preços se assustou, e adquiriu o mínimo necessário.
A Argentina deixou de ser um país barato para locais e estrangeiros, e alguns produtos, entre eles calçados, eletrodomésticos e roupa em universal, são vendidos a valores que superam os de Estados Unidos e Europa.
Recente pesquisa realizada pelo Meio de Estudos para a Recuperação Argentina da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Pátrio de Buenos Aires (UBA), mostrou o aumento do dispêndio de vida na Argentina e deu alguns exemplos.
Para comprar um tênis da marca Nike, um prateado vai precisar gastar 75% do valor do salário mínimo sítio (em torno de R$ 1.140), contra 23% necessários nos demais países latino-americanos. Na Europa, apontou o estudo, o mesmo resultado pode ser comprado com menos de 7% de um salário mínimo.
Alguns itens ainda são muito mais baratos na Argentina, entre elas vinhos e carnes. Mas o dispêndio de vida chegou a níveis similares ao de outros países vizinhos e continua aumentando pela dificuldade do governo em controlar a inflação.
Nos primeiros meses de gestão, o presidente Javier Milei conseguiu sustar uma escalada que, segundo economistas, poderia ter arrastado o país para uma hiperinflação. Mesmo assim, a Argentina continua com uma inflação que superou 230% nos últimos 12 meses, o que é um enorme problema para um governo que aposta na recuperação econômica para manter a popularidade.
Compras em bairro popular
Nos comércios mais informais, que conseguem driblar alguns impostos, é provável conseguir roupas mais baratas. A classe média argentina passou a frequentar muito mais o bairro de Flores, onde existe uma concentração de lojas de fabricantes de roupas que vendem os mesmos produtos que podem ser encontrados nos grandes shoppings.
Os argentinos de maior poder aquisitivo que ainda podem viajar, uma vez que o jurista Martin Correa, que acaba de voltar dos Estados Unidos, aproveitam para comprar tudo o que conseguem.
“Fomos com quatro malas e voltamos com nove. Um tênis nos EUA custa até 40% menos do que se consegue na Argentina”, comenta Correa.
Para os estrangeiros, o país ficou mais custoso não exclusivamente pela inflação, mas também pela decisão do governo Milei de evitar uma desvalorização maior do peso. Quem chega com dólares e reais têm menos vantagens do que tinha em 2023.
“Até o ano pretérito eu gastava em torno de milénio dólares mensais para morar em Buenos Aires, hoje desembolso US$ 1.200. Não é um aumento contraditório, mas se sente”, comenta o americano Chase Washington.
No entanto, o aumento do dispêndio de vida o obrigou a modificar alguns hábitos.
“Quando preciso comprar roupa, ou até roupa de leito e toalhas, encomendo pela Amazon nos EUA e peço para qualquer companheiro ou familiar trazer para mim”, conta Washington.
Se Milei não inferir o objetivo de ter uma inflação mensal inferior dos 4%, o país caminha para fechar o ano com uma variação positiva dos preços supra de 60%. O governo flexibilizou o câmbio nos últimos meses, e uma eventual novidade desvalorização possante do peso é um componente a mais a pressionar a inflação.
Aliás, a falta de novos investimentos produtivos e importações ainda afetadas pelos controles cambiais criam um problema de baixa oferta interna. Os preços, nesse cenário, continuarão elevados, aponta o economista Gustavo Lazzari:
“A Argentina produz pouco e ainda tem inflação subida. Uma eventual queda dos preços internos dependerá de um aumento da produtividade, que hoje parece difícil. Os empresários nacionais ainda não têm crédito no programa econômico e nas reformas.”
O economista lembra que produtores locais ainda “enfrentam pesada fardo tributária, que impacta os preços”.
A arquiteta Agustina Alonso costuma confrontar preços de produtos de que precisa para as reformas que faz em apartamentos com sites americanos uma vez que a Amazon. Nos últimos meses, ela contou, os valores cobrados por vasos sanitários, por exemplo, passaram a permanecer “muito supra do que se consegue nos EUA”.
Menos turistas no país
A pesquisa realizada pela UBA indica que um prateado de classe média precisa de três salários mínimos para comprar uma cesta de consumo básica com mantimentos, vestuário e combustível, entre outros itens. O dispêndio aumenta para cinco salários se for incluído um aluguel. No caso de uma família de quatro pessoas, na Argentina são necessários seis salários mínimos, mais do que no Brasil ou Peru para ter aproximação a esta cesta básica.
“Nosso país tem ciclos de preços mais baratos e mais caros do que o resto do mundo, e esses ciclos mudam rapidamente”, diz Eduardo Crespo.
O economista, que mora entre Rio e Buenos Aires, destaca que “é preciso investigar cada preço porque há distorções”. O vinho continua sendo muito barato, mas os refrigerantes e a chuva mineral são mais caras na Argentina que no Brasil.
“O principal termômetro para sentir uma vez que a Argentina ficou mais face é o turismo. Hoje, temos mais argentinos saindo do país que turistas entrando”, diz Crespo.
Entre janeiro e julho deste ano, dados oficiais indicam que 4 milhões de turistas chegaram ao país, contra 5,2 milhões de argentinos que viajaram pro exterior. Consultado sobre a queda do turismo estrangeiro, o Secretário de Turismo, Esporte e Meio Envolvente do governo Milei, o ex-embaixador prateado no Brasil, Daniel Scioli, avaliou que “o caminho é melhorar nossa competitividade”.
“A Argentina é um direcção de qualidade, as pessoas não nos visitam porque o país é barato”, concluiu Scioli.