ENTREVISTA: Com excessos no crédito, “pessoa física virou o novo BNDES”, diz Bruno Garcia, da Truxt
“Porquê pode o credor de uma empresa estar no firmamento e o acionista no inferno?”. A pergunta de Bruno Garcia, CIO da Truxt, resume muito a atual situação do mercado de capitais no Brasil.
Com trilhões entrando na renda fixa enquanto o mercado acionário vê uma sangria, as mesmas empresas que captam a taxas muito baratas no mercado de renda fixa são aquelas que negociam com os maiores descontos em Bolsa.
É certamente um duelo para as gestoras de ações, uma vez que a própria Truxt que tem murado de R$ 5 bilhões em fundos de renda variável.
Com o cenário mais reptante, a gestora está lançando um novo fundo, focado nas “bond proxies”: ações com retornos previsíveis e bom potencial de propagação para sanar uma principalmente uma urgência tanto das fundações, que buscam um perfil de renda variável mais defensivo e correlacionado aos juros reais (saiba mais cá).
Mas as distorções vão muito além da Bolsa. Em entrevista ao INSIGHT, Garcia defende que a isenção para títulos de dívida uma vez que CRA, CRIS, FIIS e debêntures de infraestrutura está tendo efeitos perversos em toda a economia.
“Hoje, quem está financiando as empresas no longo prazo e a taxas baratas é a Dona Maria, que procura renda garantida numa debênture de 20 anos. Será que ela sabe o que está comprando?”, questiona.
Na sua visão, o direcionamento de recursos da poupança para o mercado de crédito, mormente isento, está provocando distorções na política monetária, na arrecadação e na constituição do financiamento da dívida pública e privadas – com a pessoa física fazendo o papel que na idade do governo Dilma, foi do BNDES.
“O novo BNDES é a pessoa física, a Dona Maria dando crédito barato demais e subsidiado pela isenção do governo para grandes empresas”, diz. “Quando metade do estoque de crédito está sendo dada a prazos longos e com um spread insignificante, quanto é que você tem que subir a Selic para desaquecer a economia? No limite, você está diminuindo a potência e aumentando o lag da política monetária.”
Com os juros hoje precificando um cenário “entre o firmamento e o inferno”, Garcia defende que, em qualquer momento o spread dos créditos vai furar – seja por um movimento de procura por mais risco, num cenário mais vantajoso, ou de redução de risco, num cenário mais pessimista –, com o potencial de traumatizar uma série de poupadores, uma vez que aconteceu com o estouro da bolha do mercado acionário no pós-pandemia, em 2021.
A seguir, os principais trechos da conversa, condensados para melhor entendimento:
INSIGHT: Muitos dizem que o mercado de crédito está mal precificado. Mas indumento é que as emissões continuam saindo, mesmo com as taxas bastante comprimidas, mormente no mercado de high grade. O que está acontecendo?
Garcia: Estou começando a ver uma provável bolha se formando, tanto no nível dos spreads quando no montante emitido. Na questão dos spreads, a principal distorção é a evolução do spread ao longo dos ratings de crédito. As empresas historicamente mais arriscadas estão com um prêmio de risco muito insignificante em relação as mais seguras.
E por quê? Antigamente, era o pessoal dos grandes bancos com décadas de experiência que se sentava num comitê de crédito e falava: vou dar verba para essa empresa e definia a taxa, a garantia, porque ia encarteirar isso no book por cinco, de dez anos.
Agora, é o agente autônomo que vende para Dona Maria, que está em procura de procura renda garantida, uma debênture de 20 anos. Será que ela realmente sabe o que está comprando? Se esse título der default, quem vai negociar por ela? As experiências recentes de renegociações de títulos pulverizados numa base de varejo foram muito negativas.
O agente autônomo e os bancos ganham suas comissões de venda e estruturação na cabeça, independente do que venha a sobrevir com o título no horizonte. E essas comissões são maiores do que as ganhas para vender fundos de investimento.
Outro sinal de uma provável bolha está no montante emitido. O estoque de isentos cresceu R$ 1 trilhão em menos de cinco anos. É muita coisa! Hoje, o estoque de crédito financiado via mercado de capitais (isento e não isento) é mais de metade da poupança do brasílio ou quase R$ 6 trilhões.
Além dos riscos para o investidor, isso é uma coisa que está afetando a política monetária. As empresas estão captando a 10 anos, com taxas baixas. Quanto é que o Banco Meão tem que subir a Selic para desaquecer a economia para recompensar esse fator?
No limite, você está diminuindo a potência e aumentando o lag da política monetária.
O novo BNDES é a pessoa física, a Dona Maria dando crédito barato demais e subsidiado pela isenção do governo para grandes empresas.
Mas o chegada a crédito no Brasil sempre foi uma questão. Não dá para manifestar que a ingresso do mercado de capitais nessa licença está cumprindo esse gap?
Recentemente, o [secretário de reformas econômicas do Ministério da Fazenda] Marcos Pinto trouxe um oferecido numa entrevista de que metade do crédito brasílio está sendo oferecido pelo mercado de capitais, com um spread médio de 1,75%. A outra metade, que está na mão dos grandes bancos, está com spread médio de 8%.
A grande diferença é o mix, porque as PMEs não conseguem enunciar debêntures, elas continuam nos bancos, que ficam com a segmento mais arriscada e a taxas maiores.
Aumentar o crédito é bom. O grande problema é a distorção que você tem pela isenção. Se tudo isso tivesse sucedido sem a distorção, com os investidores sabendo o que estão comprando, lícito.
Mas na prática são os bancos, as empresas do agro, construtoras, players de infraestrutura tomando verba mais barato através de LCAs, LCIS, CRAs , CRIs, FIIs, etc. E hoje, boa segmento dessas empresas não precisam mais desse favor. Você está jogando gasolina numa fogueira que já pegou queima e está criando uma série de situações na economia que podem finalizar mal.
Quando houver qualquer problema de crédito no Brasil que faça esses spreads abrirem, os investidores podem permanecer tão machucados que podemos estar acabando com uma geração de financiadores. Fechando, mesmo que momentaneamente, um importante ducto de financiamento de projetos longo prazo.
Me parece uma reprise do que aconteceu no mercado de ações no pós pandemia, em 2021…
De indumento, quem acabou se empolgando com os juros baixos no pós pandemia em 2021 e aumentou de forma importante a alocação em risco perdeu muito. Temos uma geração de tomadores de risco muito machucada. O mercado captou somente em fundo de ações R$ 160 bilhões entre 2017 e 2020 e perdeu de lá para cá R$ 140 bilhões, ou seja, quase tudo que captou.
O investidor não quer mais ouvir que a Bolsa está barata, que ele não quer tomar nenhum risco. Ele fala: 1% ao mês isento está de bom tamanho para mim, não quero mais do que isso, sem realmente entender que existe risco nesses investimentos.
Todo tipo de investidor? Mesmo o mais muito assessorado?
Todo mundo. Com o término dos exclusivos, o investidor de cimo patrimônio também foi em procura da isenção. Um pedaço pequeno dos recursos liberados dos exclusivos foi para fundos de previdência (num movimento que levou o governo a impedir a geração de novos fundos supra de R$ 5 milhões de reais) e um pedaço grande acabou indo para carteiras de isentos.
Diante a performance medíocre dos fundos de ações e multimercados no pós pandemia, o alocador precisa também apresentar alternativas para o cliente final, até uma vez que uma forma de mantê-lo na sua grade, o que pode ter completado ajudando na transmigração para crédito.
Cá vale uma reparo. Quanto pior permanecer o Brasil melhor é o favor da isenção. Vamos imaginar um mundo hipotético cá, só para estressar o argumento, em que a inflação vá para 30% ao ano. O papel paga inflação mais 6%, vai render 36%. Quanto é que vale 15% dos 36%? 4,8%. Se eu tirar o 4,8% que é o favor, os juros reais recebidos ficam em somente 1,2%.
Porquê tributamos inflação, quanto maior a inflação, maior é o favor das isentas. E numa situação de crise de credibilidade, de percepção de descontrole fiscal, de mudanças no Banco Meão, as pessoas ficam com pânico da inflação os isentos ficam mais atrativos.
E com isso as distorções só aumentam. O desconto na Bolsa talvez nem seja a mais complicada delas.
Quais as outras?
Um outro efeito importante e no financiamento da dívida pública. O boom de isentos somado a relutância do Tesouro em endossar o aumento de juros no Brasil está mudando a constituição da dívida brasileira.
A despeito de todo aumento da dívida ocorrido nos últimos anos, o montante de título pré-fixados e indexados à inflação que foi vendido desde 2022 foi inferior do que venceu, ou seja, foi uma emissão líquida negativa de R$ 230 bilhões. É um crowding out revirado.
O investidor pessoa física não vai comprar uma NTN-B, uma LTN. Ele vai comprar um isento para não remunerar imposto. Isso torna o perfil da dívida do brasil mais perigoso do que no pretérito recente. Quase metade das dívidas está sendo rolada a taxas pós fixadas em overnight ou em prazos curtos.
Outro efeito importante se dá na arrecadação. Vamos pegar um estoque de R$ 2 trilhões de incentivadas e botar um rendimento de 14%. Dá R$ 280 bilhões, 15% em cima disso seriam R$ 42 bi. Quanto é que o Lula precisa para reajustar as tabelas de imposto de renda? R$ 35 bi.
Se finalizar com o isento no Brasil, dá para fazer a principal promessa de campanha. E vale a pena ressaltar que o favor da isenção está sendo dividido pelas pessoas físicas de subida renda e pelas maiores empresas do Brasil.
E até onde vai o mercado de incentivadas? Já houve nas últimas semanas algumas emissões que não saíram por conta dos prêmios baixos. Quando você acha que vem um ajuste maior nos spreads?
O ajuste pode vir pelo muito ou pelo mal. O que seria a via pelo mal? Suponha que chegamos em 2025 e o governo pontapé o pau da barraca no fiscal. Começa a gastar, não bota restrição nenhuma, começa a não respeitar as regras do busto e gera a percepção de descontrole das variáveis nominais no Brasil.
O investidor pode resolver dolarizar um pedaço do seu patrimônio e pensa: vou vender 20% das minhas isentas. 20% de um estoque de R$ 2 tri é R$ 400 bilhões. O mercado negocia aproximadamente R$ 400 milhões por dia. Ou seja, o montante a ser vendido é 1000 vezes maior que a liquidez diária.
E quem vai comprar esses títulos nessa situação de stress? Os únicos que podem fazer frente a esse fluxo são os grandes bancos. Só que o spread requerido por eles vai ser muito supra do atual. Ele vai falar assim: “bom, mas essa empresa daqui eu financiaria a 200 bps”, quando a taxa atual é zero. E ajustando pela duration, que está cada vez mais longa, alguns títulos podem ter perdas de principal de até 20% ou 30%.
Outra possibilidade é um aumento de inadimplência. Olha os Fiagros. A vida toda quem emprestou para o agro foi o Banco do Brasil. Aí vem o pessoal da Faria Lima e começa a empacotar o Fiagro. Proferir que a safra deste ano está ruim é um excesso, né? Piorou um pouco, mas saiu do high ever para um pouquinho inferior do high ever. E olha a quantidade de crédito ruim pipocando no agro.
Será que pode servir de gatilho para as pessoas podem encetar a perceber que o risco de crédito está mal precificado?
Por término também tem um caso bom: chega em 2026, uma placa mais pró-mercado entra uma vez que favorita [na eleição]. As pessoas decidem que é hora de apostar no Brasil, de comprar multimercado, bolsa, coisa e tal. Pega um pouquinho do que está em crédito isento e põe em bolsa, multimercados, vamos manifestar 20%. Não tem espaço. É um elefante na sala de cristal. Qualquer movimento e as coisas quebram.
A grande questão é que o Brasil é um tanto afeito à mediocridade: não ter nem um cenário horroroso, catastrófico, mas tampouco as coisas melhorarem demais. Não corremos o risco de permanecer nesse meio do caminho?
Não, porque esses juros que estamos pagando hoje, de quase 7% real, é um rendimento que não equilibra o Brasil. É uma ponderação entre um rendimento mais cimo de um país quebrado e um rendimento mais insignificante de um país saudável. O 7% é a média ponderada do firmamento com o inferno.
Do ponto de vista dos investidores, para mim, a grande questão é que ele não está sendo compensado pelo risco que está correndo no crédito privado. Se for para tomar risco me parece melhor, comprar ações, multimercado. Se é para buscar proteção pode-se comprar ativos dolarizados e títulos federais curtos indexados à inflação. Títulos privados longos de devedores com risco mediano, e spreads baixos não me parecem nem de longe uma boa opção.
Eu, Bruno, sou em prol da diversificação. E dentre a diversificação priorizo os pesos num Barbell, ponderando ativos seguros, no qual tenha pouquíssima chance de perda de capital com ativos arriscados no qual consiga delimitar o montante que posso perder. Sempre busquei minimizar o risco alocado no “meio’. Isso é mais verdade que nunca agora.
Olhando para os descontos das empresas em Bolsa, claramente há uma arbitragem óbvia, mormente em bond proxies, uma vez que empresas de vigor, shoppings. Por que ninguém está arbitrando esse negócio?
De novo, a questão do fluxo. O primeiro fator é que 70% das ações do mundo estão nos Estados Unidos, onde é provável comprar as melhores ações do mundo em setores com vantagens sustentáveis e propagação de longo prazo uma vez que Perceptibilidade sintético, e-commerce, software EV, GLP-1 etc….. Tem muita história de propagação nos mercados desenvolvidos.
O gringo não precisa vir mais para mercados emergentes para comprar propagação. Na verdade, os emergentes vêm sendo um value trap. Nos últimos 20 anos, o índice de ações emergentes não sai do lugar.
E para piorar o investidor estrangeiro não gosta de apostas de carrego em ações de mercados emergentes. No caso de uma bond proxy, o câmbio de ingresso importa muito, pois o dispêndio do hedge cambial acaba comendo muito desse retorno.
Dessa forma, o encolhimento da indústria acionária lugar fez muito preço em setores de carrego, uma vez que utilities, infraestrutura. Por término, vale ressaltar que são exatamente essas empresas que estão captando barato. Ou seja, ao comprar essas ações estamos nos beneficiando do dispêndio de dívida barato e da capacidade de alocação de capital delas.
Correndo o risco de ser repetitiva: e quando e por que isso deve mudar? O mercado está em compasso de espera para negociar eleição?
100%! Não tem verba de longo prazo, os investidores perderam a paciência. Estou no mercado desde 1998, e poucas vezes da minha vida, eu vi um proporção de pessimismo tão grande uma vez que agora.
Hoje o prêmio de risco de equity está muito cimo. A bolsa brasileira uma vez que um todo negocia hoje a 8x PL [preço/lucro]. É menos do que na idade da Dilma, mas naquela idade, e economia estava emburacando. Agora está subindo, com os lucros sendo revisados para cima.
A previsão de propagação de lucro por ação da Bolsa é 15%. Se eu fechar o olho e furar só no término de 2025, que é o ano anterior a eleição eu ganhei esse 15% em troca do CDI, digamos de 12%. Hoje, desde que não haja uma compressão suplementar de múltiplos, ou uma poderoso revisão de lucros, estou sendo pago para esperar.
No pretérito quando você comprava a um P/L insignificante, se o progressão no lucro ficava no zero a zero, a ação derretia na mão pois ninguém queria rejeitar do CDI. Hoje é melhor.
Em 2026, podemos ter uma mudança para um governo mais pró mercado e ver um re-rating grande ou uma ininterrupção da situação atual. Quanto temos para desabar e quanto temos para subir em cada cenário? Se der tudo inexacto o PL vai desabar quanto? De 8 vezes para 6? Nem a China negocia 6x PL.
Se tudo der manifesto, o P/L pode ir para 12 ou 14 vezes. A assimetria é muito grande, 20% a 30% para desabar e 70% e 80% para subir.
Por término, dentro da bolsa, a maior distorção que vejo são nas “bond proxies”. Elas têm quase o mesmo upside da bolsa com um risco muito menor. Elas estão em setores defensivos e conseguem ao longo do tempo repassar inflação e gerar caixa de forma sustentável.
O problema é que hoje, no Brasil, você não tem bolso de longo prazo. Ninguém consegue comprar e fechar o olho daqui até 2026. A verdade é que hoje eu, assim uma vez que outros gestores de ações, tenho muita teoria de investimento e pouco verba disposto a entrar.