
Clubes ou empresas? Uma discussão que Milei trava com o futebol argentino
Torcedores do San Lorenzo durante jogo da equipe contra o Estudiantes de La Plata pela Liga argentina
LUIS ROBAYO
O prateado Gabriel Nicosia lembra que há 40 anos passeava com sua mãe em frente à sede do San Lorenzo, que ainda frequenta para fazer atividades físicas e desancar papo com os amigos do bairro. Agora, ele teme que essa vida comunitária desapareça caso o clube seja vendido a uma empresa, uma vez que defende o presidente da Argentina, Javier Milei.
O debate sobre a incorporação das sociedades anônimas desportivas (SAD) ao futebol prateado desperta atritos entre o governo e a maioria dos clubes, cujos dirigentes e sócios se opõem à teoria.
“Eu me lembro de ir de mãos dadas com minha mãe e passar pelo clube, de andejar por grave das arquibancadas, todas de madeira”, contou Nicosia, fanático pelo San Lorenzo “desde sempre”.
Na liceu do clube, ele cumprimenta outros sócios que, uma vez que ele, jogam futebol, basquete e organizam festas enquanto as crianças praticam dança, natação e artes marciais. Muitos pais esperam na cafeteria, decorada com bandeiras que lembram títulos internacionais de jogadores da seleção argentina.
Mas se leste clube, do qual o papa Francisco é torcedor, se tornar empresa, “muitas coisas podem mudar ou os valores sociais se perderem”, teme Nicosia, em entrevista à AFP na sede do San Lorenzo no bairro de Boedo, em Buenos Aires.
Na Argentina, as equipes que competem no futebol profissional são associações civis sem fins lucrativos controladas pelos sócios, que pagam uma mensalidade e têm direitos políticos.
Os clubes proporcionam “contenção e possibilidades” sociais, com as 300 bolsas para jovens do bairro vizinho aproveitarem a piscina, explica Martín Cigna, diretor do San Lorenzo.
Os bolsistas se preparam a um passo de onde treinam os jogadores do time profissional de futebol, vários deles milionários.
Ao contrário de outros países da região, uma vez que o Brasil, onde os clubes são menos vinculados às comunidades, na Argentina estas pequenas entidades, uma vez que o humilde Club Parque, de Buenos Aires, trabalham na formação de juvenis que mais tarde serão grandes jogadores de times da escol.
Leste clube de bairro já trabalhou com o Argentinos Júniors, onde estreou Diego Maradona, e formou outros campeões do mundo uma vez que Sergio Batista e Alexis Mac Allister, ou jogadores de nível internacional uma vez que Carlos Tévez.
– Velha discussão –
Em seu regime, a Associação do Futebol Prateado (AFA) não permite que um clube esportivo com outra forma jurídica, uma vez que as SAD, participe de suas ligas.
As SAD colocariam em risco atividades que não o futebol profissional, já que “o que não dá lucro vai fechar, essa é a lógica mercantil”, explicou à AFP Verónica Moreira, perito em estudo sociais do esporte.
A discussão ganhou espaço antes da eleição de Milei uma vez que presidente da Argentina, no ano pretérito.
“Quem se importa com quem é o proprietário se o time ganha por 5 a 0 e é vencedor do mundo? Ou preferem continuar nesta miséria que temos, cada vez mais, de um futebol da pior qualidade?”, disse o logo candidato semanas antes de vencer as eleições em novembro.
Em dois decretos, o governo Milei tentou forçar a AFA a concordar a possibilidade de os clubes serem controlados pelas SAD, o que foi criticado em peso pela comunidade do futebol e barrado pela justiça.
“Não é para o nosso padrão de futebol”, declarou em agosto o presidente da AFA, Claudio Tapia.
Segundo Moreira, “nas associações civis o que se ganha é revertido ao clube”, enquanto um investidor privado “coloca o moeda e depois quer levar esse lucro”.
Mas quem defende as SAD vê as coisas de outra forma.
“Isso é favorável aos clubes. Estamos certos de que pode ser o caminho”, disse ao meio lugar TN o secretário de Turismo e Esporte, Daniel Scioli. “Não seria bom poder melhorar as instalações?”.
Antes de Milei, houve tentativas de permitir as SAD: no final da dezena de 1990 e durante o governo de Mauricio Macri (2015-2019).
– Deficitários –
Alguns dirigentes de clubes são em prol da ingresso de capital privado, uma vez que o presidente do Estudiantes de La Plata, o ex-jogador da seleção argentina Juan Sebastián Verón, que afirmou que se prepara “para outro tipo de introdução”.
Mas a maioria se opõe, uma vez que Cigna, que explicou que o San Lorenzo, além do paisagem esportivo, também dá assistência social.
“Vamos fechar leste ano com um déficit de tapume de US$ 1 milhão [R$ 5,7 milhões na cotação atual] e isso se paga com as receitas que o clube gera, majoritariamente do futebol profissional. As mensalidades não são suficientes”, ressaltou o dirigente.
Do outro lado do rio Matanza-Riachuelo, que separa Buenos Aires da província homônima, está o Lanús, que abrange mais de 30 modalidades esportivas e artísticas, escolas primária e secundária.
Seus mais de 25 milénio sócios praticam atividades que “seriam deficitárias” sem o moeda do futebol, explicou à AFP o presidente do clube, Luis Chebel.
Chebel também é contra a incorporação das SAD porque os fundos necessários para manter essa dinâmica “iriam para quem fornece o moeda”.