Intoxicados, feridos e mortos: animais são vítimas do fogo no Pantanal

A ferocidade do incêndio acuou Miranda. Com as patas queimadas, infestadas por larvas, mancando, ela vagou pelo Pantanal do Mato Grosso do Sul fugindo dos incêndios de agosto. Imagens sugerem que a onça-pintada, em seu martírio, percorreu murado de 100 quilômetros, contornando as chamas, até o lugar onde foi resgatada, uma manilha onde havia se consolado, quase sem forças.

A onça-pintada é o mais poderoso dos animais do Brasil. Zero, salta e pode percorrer a até 80 km/h. Mas não é páreo para a fúria do incêndio, iniciado pelo ser humano e intensificado pelo clima. E os animais são as maiores vítimas, destacam especialistas.

O Pantanal é a principal vitrine da biodiversidade do país. Em nenhum outro bioma a vida selvagem se apresenta com tamanha exuberância. O incêndio deste ano, porém, ameaço mudar isso.

Sem que populações de várias espécies tenham se renovado dos incêndios de 2020, até agora os maiores da História, os animais voltam a suportar. A dimensão queimada já é 76% maior do que a devastada no mesmo período de 2020 e a idade mais seca e quente começa só agora, em setembro.

O silêncio das cinzas

No Pantanal, o incêndio chega com o rugido do vento, num turbilhão de labaredas. Mas deixa um rastro de silêncio. As áreas queimadas viram campos de morte e cinzas. E mesmo onde não queimou, são poucos os animais que se ouve ou avista nos dias posteriormente os incêndios.

Paula Helena Santa Rita, coordenadora do Grupo de Resgate Técnico Bicho Selado Pantanal (Gretap-MS) e professora da Universidade Católica Dom Bosco, afirma que muitas populações não se recuperaram da crise de 2020.

Alguns bichos escapam pelas rotas de fuga abertas para eles por iniciativas porquê a da Brigada Supino Pantanal (BAP), do Instituto Varão Pantaneiro, que tem o escora do projeto GEF Terrestre. Brigadistas abriram caminhos seguros para cursos d’chuva. No entanto, animais menores, lentos e filhotes não têm chance.

— Alguns, até mesmo onças, ficam cercados, quase sempre devido ao vento. Mas, em universal, os mais rápidos, fogem. Para onde, não sabemos — diz Paula Santa Rita, que liderou a equipe que resgatou a onça-pintada.

O resgate mobilizou além do Gretap, o Ibama e a Polícia Militar Ambiental do MS.

— Saímos para resgatar tucanos, cotias, cobras, porquê Preciosinha, um filhote de sucuri. Toda vida importa — frisa Santa Rita.

Batizada com o nome do município onde foi encontrada, Miranda está internada desde 15 de agosto no Meio de Restauração de Animais Silvestres (Cras), em Campo Grande. Ela é jovem. Deve se restaurar e voltar à vida selvagem. Outra onça queimada está internada no Cras. É um masculino adulto resgatado em Passo do Lontra, batizado de Antã, “poderoso” em tupi-guarani.

Muitos não tiveram chance. As labaredas se espalharam tão depressa que o filhote de veado parecia ter sido fulminado. Foi petrificado em sua tentativa de fuga, recluso na vegetação em chamas. Pegadas no pavimento de cinzas fumegantes revelaram que a mãe tentou salvá-lo, em vão.

O filhote foi uma das incontáveis vítimas animais do incêndio que atingiu em agosto a Suplente Privado do Patrimônio Originário Engenheiro Eliezer Batista, sobre cinco horas de embarcação do núcleo de Corumbá (MS).

— A última coisa que a gente quer ver é isso. Não é só mais um bicho. É uma vida. Cresci no Pantanal. Sei porquê era de tanto de bicho — afirma o coordenador da BAP, Manoel Garcia da Silva.

O solo de turfa funciona porquê uma cilada de brasa, oculta sob cinzas. Mata posteriormente o incêndio e queima por vários dias. Os bichos pisam e afundam. Dois veados presos nessa fornalha e resgatados pelo Gretap com as patas queimando até os ossos tiveram que ser sacrificados porque perderam os cascos.

A tragédia dos bichos afeta com desproporcional inclemência os tamanduás. O pelo deles é extremamente inflamável, e não à toa, são conhecidos no Pantanal porquê labaredas, explica a médica veterinária Flavia Miranda, presidente do Instituto Tamanduá.

— Muitas vezes, os encontramos sem chance de sobreviver de tão queimados. Mesmo equipes treinadas estão emocionalmente abaladas com tamanho sofrimento. Porquê os tamanduás, símbolos tão importantes da nossa fauna, morre o Pantanal, que está sendo levado a um ponto de não retorno — diz Miranda.

Ela enfatiza que ações humanas são as responsáveis pela tragédia e que cabe à sociedade a resposta. Muitos animais morreram ou se feriram no incêndio que em agosto devastou 80% dos 53 milénio hectares do refúgio ecológico Caiman, em Miranda.

Filhotes órfãos

A pesquisadora teme pelos tamanduás que haviam sido salvos em 2020, reabilitados pelo projeto Órfãos do Queimação e que estavam na dimensão devastada. Miranda acrescenta que o incêndio de 2024 fez novos órfãos.

— A mãe às vezes aguenta alguns dias queimada, com o filhote mamando. Mas quando morre, se ele não for encontrado logo, morre também — diz a investigador.

O incêndio não poupa nem aves. As araras-azuis, símbolos do Pantanal, foram duramente atingidas em suas duas principais áreas de conservação.

— Os incêndios de agosto foram catastróficos. As araras-azuis perderam áreas de reprodução e de dormitório. Elas vinham tentando se restaurar do incêndio de 2019 e 2020. Mas, agora, com outro incêndio devastador, não sabemos — afirma Neiva Guedes, presidente do Instituto Arara Azul e a maior técnico do mundo na espécie.

As perdas deste ano ainda estão sendo avaliadas. Guedes diz que, além dos efeitos imediatos, o incêndio traz rafa, destrói ninhos, aumenta predação e competição e desculpa uma explosão de doenças.

— O incêndio rouba tudo dos bichos. As araras já enfrentavam consequências dos incêndios passados, porquê promanação de filhotes com baixa isenção, lesões. E por conta dos incêndios, não conseguimos nem calcular quantas araras-azuis restam no Pantanal — ressalta Guedes.

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