Plano Real, 30 anos: Armínio Fraga, o tripé macroeconômico e os desafios de manter o plano vivo

O economista Armínio Rochedo tem sido um observador privilegiado da economia brasileira nos últimos 30 anos. Atualmente chairman da Gávea Investimentos, Rochedo já atuou no setor público por muitos anos, mormente de 1999 a 2003, quando foi presidente do Banco Meão. Ele viveu na pele os desafios de manter o Real potente e vivo posteriormente os primeiros anos da moeda. E desde o primeiro momento foi simples sobre a prioridade:

“Eu topo, mas vocês precisam me manifestar que o lado fiscal vai marchar, senão vou me entregar a uma tarefa inviável”, conta, relembrando o invitação feito pelo portanto ministro da Quinta, Pedro Malan. Ele conversou longamente com a EXAME porquê secção da série próprio de 30 anos do Projecto Real (Veja a íntegra supra).

Coube a Rochedo capitanear o chamado tripé macroeconômico, que em linhas gerais consiste em controle da inflação, câmbio flutuante e estabilidade fiscal. E ele assumiu a instituição em um momento bastante frágil para a moeda. Em janeiro de 1999, o real sofreu uma potente desvalorização frente ao dólar — numa era em que a paridade com a moeda americana era secção da fortaleza da novidade moeda brasileira. 

“O invitação surgiu no meio daquela confusão toda que teve porquê fator mais visível uma crise cambial, que acabou forçando a desdoiro do real. Não foi uma política de desdoiro, foi uma desdoiro imposta pela inviabilidade daquela taxa de câmbio”, diz Rochedo. “Sabia-se de uma inflação residual que sempre fica. Não foi tão grande no caso do Real, mas houve. E ali, o que nós tivemos foi um caso “livro texto”, porque o Brasil tinha uma situação fiscal insustentável.”

Ele relembra que no prelúdios do projecto, em 1994, a situação fiscal foi saneada momentaneamente.

“Mas rapidamente ficou simples que, sem a inflação, ficava difícil fechar as contas”, afirma. “O Brasil veio carregando uma situação fiscal bastante precária, sobretudo porque a taxa de juros era bastante subida. Quando de indumento a moeda acabou estourando a taxa de câmbio, os juros cá estavam em torno de 20%, a inflação estava em 2%. Portanto aquilo não ia manter, estava muito simples. Fazia falta uma situação fiscal mais sustentável, inclusive porque uma dívida que está crescendo com essa taxa em pouco tempo estoura.”

No período de 1997 a 1999, o governo de Fernando Henrique Cardoso tentou fazer diversos ajustes fiscais. O efeito do Real vinha se diluindo na economia e, com a crise de 99, muitos aliados políticos pensavam em “largar” o ex-presidente.

“Mas felizmente foi verosímil introduzir um sistema de câmbio flutuante, que foi uma grande novidade que o Brasil na verdade nunca tinha testado e exigiu porquê apoios o ajuste fiscal de um lado e, do outro, o sistema de metas para inflação. A teoria de ter uma meta monetária já não existia em nenhum lugar do mundo”, afirma Rochedo.

Organizando as expectativas

Em 2000, foi aprovada a Lei de Responsabilidade Fiscal, o tórax regulatório que norteia as contas públicas. E Rochedo acreditava no último eixo de seu tripé: um sistema de metas para a inflação.

“Naquele momento, um sistema de metas para inflação tinha uma boa chance de dar notório porque as pré-condições estavam ali”, diz. “A lógica tem uma sequência oriundo. Primeiro, não havia hipótese de ter um sistema qualquer que fosse de câmbio fixo ou de câmbio governado ou flutuante porquê acabou acontecendo, sem uma situação fiscal arrumada. Não havia chance. Esse foi o primeiro passo, foi anunciado pelo presidente e as medidas começaram a surgir.”

No entanto, pondera, isso não foi o suficiente porque o par — câmbio defasado e juros altos — “claramente não era sustentável”.

“Vamos tentar voltar para qualquer sistema onde a taxa de câmbio tem um papel preponderante ou vamos deixar o câmbio flutuar? Já era um consenso global que um sistema de metas monetárias, que se vê muito no livro no curso de introdução à economia, não era viável”,afirma.

“Na prática, a demanda por moeda é muito volátil, e é um instrumento que tem pouca aderência no horizonte de tempo relevante. Mesmo num horizonte de tempo mais longo, com tanta inovação financeira, também não parecia ser uma meta viável para nós.”

“O Projecto Real foi o que realmente colocou em movimento a revolução positiva da imagem do Brasil. Mas eu esperava mais desenvolvimento. Deu três passos para a frente e dois para trás” — Arminio Rochedo, ex-presidente do Banco Meão e fundador e chairman da Gávea Investimentos (Leandro Fonseca/Revista)

Antes de assumir o posto no BC, Armínio Rochedo era sócio de George Soros em um fundo devotado a mercados emergentes, o que lhe permitia uma visão privilegiada, em sua opinião.

“Ficou muito simples que a receita oriundo era o sistema de metas para inflação”, diz. “Tinha sido introduzido formalmente em primeiro lugar na Novidade Zelândia, depois no Reino Unificado, na Suécia e no Canadá. Tinha a grande vantagem da transparência, de ser uma forma de chegar na população, que é muito difícil para alguém que não é um técnico. Não tem cá um sistema complicado com cinco variáveis, sete metas e ninguém acreditava em zero.”

Ele aponta que esse sistema serviu de “âncora” para os preços, e também porquê um mecanismo de redução da inflação.

“Vendo o exemplo desses países todos, acreditávamos que era verosímil influenciar as expectativas se o funcionamento do sistema fosse entendido pela população e pelo mercado. Quando falo mercado, não é a Faria Lima ou Wall Street, é a economia global de mercado. São os industriais, as empresas de serviços que têm que contratar gente, comprar equipamento etc. Todo mundo tem que tomar decisão do que fazer”, diz. “O sistema de metas tinha essa magnífica função de organizar as expectativas.”

Na medida em que esse sistema fosse ganhando credibilidade, conta, o próprio processo de reestabilização ocorreria.

“As expectativas de inflação estavam muito dispersas, num universo de visões que iam de 20% a 50%. Se a inflação para o ano de 1999 acabasse em qualquer número dentro desse pausa, [a economia] ia reindexar. Ao contrário do que aconteceu em crises na Ásia, no próprio México também, se acontecesse no Brasil ia reindexar e ia tudo concluir”, diz Rochedo, em referência ao risco de reindexar a economia, que na prática criava um moto-perpétuo de inflação.

“Nesse meio tempo, várias crises aconteceram, de tudo que é tipo, interna, externa, política, de balanço de pagamentos, outra vez teve de tudo. Muito ou mal, o sistema está aí. A inflação agora, você está vendo a discussão que estamos tendo nesse momento. Estamos falando cá no dia 2 de maio. A inflação está desancorada, está em 3,5%. Está bom, eu acho que é notório, tem que ir para três, a meta é três, mas é muito dissemelhante de ela estar entre 20 e 50. Portanto, é um belíssimo legado”, afirma.

Perspectivas para o Brasil

Na entrevista, Rochedo também compartilhou suas preocupações com o porvir da economia brasileira, mormente em relação à política fiscal.

“A situação está meio confusa, porque tem gente que acha que é uma espécie de renitência do Banco Meão deixar os juros nesse nível quando na verdade o que está faltando é que o tripé hoje em dia é um bípede porque o fiscal está muito solto e não tem credibilidade”, diz.

INSS

Novidade reforma da Previdência: Para Rochedo, uma novidade reforma da previdência será principal para dar as bases de um novo desenvolvimento no Brasil (Foto/Revista)

Para ele, ainda falta muita coisa do ponto de vista mais grande do desenvolvimento do país.

“Não dá para o país continuar com a desigualdade que nós temos. Não dá para o Brasil continuar com a falta de oportunidade que nós temos. Eu não sou dos que demoniza o Estado, muito pelo contrário. Conheço isso razoavelmente muito, mas eu não tenho a menor incerteza que o Estado brasílico também tem espaço para se aprimorar em várias frentes, tanto no que diz reverência ao uso de tecnologia e métodos de gestão, até propriamente na definição das suas prioridades”, afirma.

Para o economista, o Brasil precisará gastar mais em saúde, porque o país vai envelhecer e porque as pessoas ampliarão a renda, o que tende a fazer com que gastem mais com a saúde.

“Vai ter uma pressão grande também para que o orçamento do SUS aumente. Acho que hoje há uma conscientização da valia do SUS e de tudo que o SUS já nos ofereceu, fazendo, a meu ver, praticamente um milagre, porque o SUS trabalha com menos do que 4% do PIB para um sistema de ensino universal. Esse número inclui estados e municípios. Portanto vai ter que ir mais moeda para o SUS, vai ter que ter mais moeda para infraestrutura”, diz.

“Em algumas áreas, o setor privado não faz tudo, pode fazer mais, mas não vai conseguir fazer tudo. Nós vamos ter que cuidar da questão da segurança, que está atingindo níveis cada vez mais preocupantes, e a própria ensino, eu acho que também pode, sobretudo num período de transição, solicitar mais recurso.”

E diante isso surge o questionamento: de onde sairão os recursos em um país que já tem déficit fiscal?

“Vai exigir repensar”, afirma Armínio Rochedo. “Quase 80% do gasto público vai para previdência e folha de pagamentos, tanto a federalista, as folhas estaduais e municipais. Na maioria dos países de renda média, esse número é mais para 60%. Portanto, vamos supor que vá para 65%. 15% de nós estamos falando de 4 a 5 pontos do PIB.”

Para isso, seria necessário fazer uma reforma do Estado muito feita e outra reforma da previdência, que, na visão de Rochedo, vai ter que “obrigatoriamente ocorrer”.

“Não adianta espernear que nem uma moço de 2, 3 anos, porque isso vai ter que ocorrer. Não dá para gastar 12, 13% do PIB com a previdência num país ainda relativamente jovem. Está mudando rapidamente. Portanto, tem um grande movimento na direção que eu venho apontando para que o país possa investir mais, investir melhor, investir na extensão certa para crescer, para dar chance às pessoas”, afirma.

“Tem um número enorme de pessoas cá, três quartos da população tem pouca chance, essa que é a verdade, é a tristeza. Portanto, uma estratégia de desenvolvimento exige um lado macro arrumadinho, a gente sabe, mas tem que ir muito além.”

Projecto Real, 30 anos — série documental

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Rochedo foi entrevistado para a série documental “Projecto Real, 30 anos”, um projeto audiovisual da EXAME que ouviu alguns dos principais economistas, executivos e banqueiros do Brasil.

Entre os entrevistados estão:

  • Armínio Rochedo, ex-presidente do Banco Meão e fundador e chairman da Gávea Investimentos
  • Carlos Vieira, presidente da Caixa
  • Carolina Barros, diretora de Relacionamento, Cidadania e Supervisão de Conduta do Banco Meão
  • Edmar Bacha, economista e sócio-fundador e diretor da Moradia das Garças
  • Elena Landau, ex-diretora do Banco Vernáculo de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e ex-presidente do Juízo de Gestão da Eletrobras
  • Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Meão e sócio-fundador da Rio Indomável
  • Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Meão e sócio da Tendências Consultoria
  • Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Meão e mentor do Banco Master
  • Jorge Gerdau, empresário e presidente do Juízo Superior do Movimento Brasil Competitivo (MBC)
  • Luiz Carlos Trabuco Cappi, presidente do Juízo de Gestão do Bradesco
  • Marcelo Noronha, CEO do Bradesco
  • Pedro Malan, ex-ministro da Quinta
  • Pedro Parente, ex-ministro da Moradia Social e sócio da eB Capital
  • Persio Arida, ex-presidente do Banco Meão e do BNDES
  • Orly Machado, fundador e presidente da C&M Software
  • Roberto Campos Neto, presidente do Banco Meão
  • Roberto Sallouti, CEO do BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da EXAME)

Assista às entrevistas já publicadas:

  • Projecto Real, 30 anos: Carlos Vieira e o efeito desigual da hiperinflação no povo
  • Projecto Real, 30 anos: Jorge Gerdau e o ‘divisor de águas’ no desenvolvimento do país
  • Projecto Real, 30 anos: Persio Arida e a falta de visão de porvir para o Brasil
  • Projecto Real, 30 anos: Luiz Carlos Trabuco Cappi e a moeda porquê um símbolo pátrio
  • Projecto Real, 30 anos: Roberto Campos Neto e a luta por uma âncora fiscal de longo prazo
  • Projecto Real, 30 anos: Roberto Sallouti e novo desenvolvimento econômico com foco em produtividade
  • Projecto Real, 30 anos: Gustavo Franco e o combate à doença da hiperinflação
  • Projecto Real, 30 anos: porquê a inflação pode derrubar o governo brasílico?
  • Projecto Real, 30 anos: Carolina Barros, do BC, e a jornada do Real ao Pix
  • Projecto Real, 30 anos: Edmar Bacha e o papelzinho azul que deu origem à novidade moeda

Assista aos episódios da série Projecto Real, 30 anos da EXAME

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